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Monopólio da Violência

André Teixeira
Opinião \ segunda-feira, março 04, 2024
© Direitos reservados
Deixar as reivindicações dos agentes policias sem resposta é atirá-los para os braços da extrema-direita, já de si desejosa de corroer a confiança no sistema.

São muitas as dificuldades que os portugueses enfrentam, num momento onde a inflação ainda aumenta drasticamente o custo de vida, onde o mercado de habitação continua selvático e desregulado, e onde a obsessão com contas certas e a ausência de crescimento económico significativo impedem maiores investimentos do Estado. Porém, é importante notar que nem todas as profissões têm o mesmo impacto social e que com maiores impactos vêm maiores responsabilidades. Todo e qualquer emprego tem uma dimensão similar de dignidade, mas nem todos têm as mesmas consequências práticas. Isto é particularmente relevante no setor público, onde depositamos as maiores e mais importantes missões de um Estado, como o ensino das novas gerações ou a defesa do nosso sistema democrático. Num país tão pequeno como Portugal, a instabilidade social que temos vindo a sentir é particularmente notória, sendo o caso da polícia o mais recente e flagrante. As condições de trabalho dos agentes policiais não são aceitáveis e exigem revisão, especialmente após muitas das classes profissionais do setor público conquistarem algum tipo de progresso. A eles aproveito para juntar também as Forças Armadas, cuja débil situação atual enfraquece e envergonha a nossa República.

Dito isto, é essencial sermos claros: nada, inclusivamente condições de trabalho piores que as atuais, justifica ou legitima a transformação das forças da ordem em agentes de desordem, assim como a transformação de um ato eleitoral em refém, numa clara tentativa de chantagear o poder político. A polícia é o mais importante dos instrumentos do Estado, no que toca à defesa do seu regime e dos seus cidadãos, e ser polícia não é, nem nunca será, um emprego como outro qualquer. É na polícia que confiamos a proteção da nossa integridade física, dos nossos bens, e acima de tudo, do Estado de Direito Democrático. É aos polícias que damos o direito de carregar armas e de as usar para fazer valer a soberania da Lei. Isto certamente quererá dizer que temos o dever de tratar melhor os agentes policiais, mas também quer dizer que estes não têm o direito de ignorar por um momento que seja o seu papel de detentores do monopólio da violência. Um polícia que não cumpre a Lei é um simples criminoso; mas um conjunto de polícias que escolhe incumpri-la para benefício do grupo é uma ameaça ao próprio regime. Qualquer legitimidade das reivindicações destes agentes e dos seus sindicatos foi perdida no momento em que as suas ações e palavras colocaram em causa a segurança das pessoas e do sistema que juraram proteger. Ameaçar boicotar as eleições legislativas para ganhar posição numa negociação salarial é uma estratégia tão profundamente tóxica para a saúde da nossa democracia que quase parece irreal! As mais recentes demonstrações de descontentamento policial apenas reforçam preconceitos e diminuem a empatia, enfraquecendo a confiança da população nas pessoas que as deveriam proteger.

É triste que tenhamos chegado ao ponto em que o descontentamento dos agentes da segurança pública ameace o cumprimento do seu dever, mas aqui chegados devemos enfrentar o problema assertivamente e sem qualquer reserva. Deixar as reivindicações dos agentes policias sem resposta é atirá-los para os braços da extrema-direita, já de si desejosa de corroer a confiança no sistema; deixar as ameaças e atos subversivos de alguns destes agentes sem resposta é deixar a porta aberta para futuras crises. Nenhuma destas opções é aceitável, e apenas posso esperar que exista suficiente lucidez no poder político para tomar ação contra estas ameaças. Desde o ataque ao Capitólio nos Estados Unidos, à invasão da Praça dos Três Poderes no Brasil, passando ainda pelos planos de deportação forçada de “não-assimilados” do partido fascista da Alemanha, as bases do nosso modelo de democracia liberal ocidental estão sobre ataque. Há que tomar ação e chamar as coisas pelo que elas são, sob a pena de caminharmos para o abismo de olhos bem abertos.

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