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Uma Década de Tragicomédia

André Teixeira
Opinião \ sábado, abril 17, 2021
© Direitos reservados
Faz este ano uma década da chegada da Troika a Portugal.

O triunvirato CE, BCE e FMI apresen­taram um programa de assis­tência e medidas financeiras a Portugal, após os graves impac­tos da crise de crédito de 2008. Recorde-se que em 2007 havía­mos conseguido o mais baixo défice orçamental da demo­cracia portuguesa, 2,9%. Pouco tempo após assinar o acordo, o governo de Sócrates é subs­tituído pelo de Passos Coelho, que se dedicou religiosamente à aplicação de um programa de austeridade que pretendia reafirmar a sustentabilidade do país e a confiança e investi­mento dos mercados. Este ba­seava-se no refrão segundo o qual, tal como com as pessoas, também os Estados não devem viver acima das suas possibi­lidades. Acontece que o que pode ser elementar para as fi­nanças de um indivíduo não o é quando aplicável a um país. O rendimento de uma pessoa pode manter-se quer esta gas­te mais ou menos dinheiro; já as despesas de um Estado in­fluenciam o rendimento dos cidadãos que contribuem para as suas receitas.

Revela-se assim essencial ana­lisar os indicadores disponí­veis para esboçarmos conclu­sões sobre os efeitos destas políticas. Segundo os dados oficiais, em junho de 2011 a dívida pública portuguesa era de 114,4% do PIB, ou seja, de­víamos mais do que produzía­mos. Para combater a dívida pública o Governo tomou uma série de medidas, aclamadas por muitos como escolhas di­fíceis, mas necessárias, en­volvendo cortes de salários, eliminação de subsídios, pri­vatização de empresas públi­cas, aumento dos horários de trabalho, cortes de pensões, entre outras. Acontece que não só a dívida pública cres­ceu até 131,5% em 2016, como se deu uma retração brutal do PIB e um aumento cruel do desemprego. Se recebemos di­nheiro e cortámos a despesa do Estado, porque aumentou então a dívida? Simplificando, quando um Estado desinves­te brutalmente nos seus cida­dãos e no país, o rendimento global diminui e o desempre­go aumenta, fazendo com que as pessoas passem a gas­tar menos e o Estado a gastar mais em apoios sociais, o que por sua vez diminui as recei­tas fiscais. Adicionando a tudo isto um empréstimo que terá de ser pago com juros, conse­guimos perceber como estas políticas tornaram o país mais pobre e mais endividado.

Esta é a verdadeira tragicomé­dia da década passada, em que uma vez mais os pobres paga­ram uma crise de origem ban­cária. Com a mudança do exe­cutivo e a melhoria da situação internacional, procurou-se re­verter os cortes de rendimentos e aumentar o investimento. Em 2019 a dívida encontrava-se a 117,2%, o défice público a zero e a economia a crescer, ainda que lenta e anemicamente, contra a opinião dominante da direita que defendia a manutenção da mesma receita que nos fez des­cer ao fundo do poço económi­co e social. Tudo mudou com a pandemia, claro.

Que podemos, então, concluir de tudo isto? Que para um país ultrapassar uma crise e equili­brar as contas públicas deverá dinamizar a sua economia e não diminuir os rendimentos globais dos cidadãos, por ce­gueira ideológica mascarada de ciência. Isto é uma retrospetiva de um pesadelo à direita e de uma solução provisória e ainda incerta à esquerda, sustentada em números e factos, após uma década de turbulência. Apren­damos com ela, para que possa­mos enfrentar melhor as crises que estão por vir.

Nota: Artigo publicado originalmente na edição 1 do Jornal de Guimarães em Revista, em abril 2021.

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