Duna e as Alterações Climáticas
No passado mês de outubro foi lançado nos cinemas portugueses o filme Dune, de Denis Villeneuve. Baseado no livro de 1965 do mesmo nome por Frank Herbert, este maravilhoso filme de ficção científica fala-nos de um futuro distante em que um regime feudalista espacial é derrubado por um jovem e andrógino messias e o seu exército de guerreiros do deserto, baseados em Duna, um planeta inóspito onde vermes gigantes da areia geram uma especiaria essencial à viagem espacial.
Olhando para lá das características cinematográficas da obra, que desde já recomendo pela sua qualidade, é importante distinguir uma das suas principais mensagens. A visão de um planeta desértico onde a população nativa vive em harmonia com a natureza hostil, sendo vítima de exploração por invasores cujos meios de transporte dependem dos recursos naturais locais, é bastante explícita e condenatória. O próprio Herbert indicou ter esperanças de que o livro pudesse ser considerado um verdadeiro “manual de conscientização ambiental”, no sentido de promover a reflexão sobre o estado em que os nossos sistemas baseados em combustíveis fósseis deixariam o planeta.
Como que em sintonia com o lançamento deste filme, tomou lugar no início do mês a COP26, a conferência das Nações Unidas para as alterações climáticas, na qual participam a grande maioria dos ativistas e líderes mundiais. Os principais objetivos desta cimeira são o combate à desflorestação, a promoção de transportes elétricos, o investimento nas energias renováveis, a aceleração da eliminação do carvão como fonte de combustível, a proteção e restauração de ecossistemas e a mobilização das enormes quantidades de dinheiro necessárias para financiar tudo isto. Não estando a conferência terminada até à data de escrita, evitarei comentar os seus resultados e desenvolvimentos, até porque grande maioria deles apenas poderá ser analisada a médio ou longo prazo. O essencial é a noção de que quer na arte quer na política, é atualmente prevalente a ideia de que as alterações climáticas são uma ameaça existencial que não pode ser ignorada e cujo combate não pode ser procrastinado. A noção simplista de que comportamentos individuais como poupança ou reciclagem podem fazer a diferença está ultrapassada, sendo agora claro que apenas esforços conjugados entre nações poderão ser eficientes no combate a este flagelo. É, no entanto, difícil convencer os nossos governantes a tomar ações impopulares em nome de uma ameaça que para a maioria parte de nós é ainda difícil de ver. Afinal, porque é assim tão grave um aumento de uns graus da temperatura, quando tantas pessoas vivem na pobreza?
Simplificando, as alterações climáticas causadas pelas emissões de gases como dióxido de carbono causarão, e estão a causar, os seguintes fenómenos: a perda de gelo nos polos e a subida do nível das águas do mar, devorando os territórios litorais; o aumento da frequência de fenómenos climáticos extremos, como secas, inundações, incêndios, tempestades e terramotos; a desertificação e a diminuição dos recursos hídricos, tornando a água um bem raro e precioso; o risco de colapso dos sistemas alimentares, impedindo atividades agrícolas e pecuárias; a eliminação de certos setores de atividade, aumentando drasticamente as desigualdades estruturais.
Desengane-se o leitor que pensa que estou a ser desnecessariamente dramático. Estas são conclusões lógicas e comprovadas do estado atual das coisas, nada mais. Se a certa altura parecia possível adiar o problema e deixá-lo para o próximo, evitando a chatice de tomar medidas incomodativas e gastar dinheiro, fica claro que deixou de o ser. Não se quisermos evitar acabar como o império intergaláctico de Herbert, dominado por casas nobres que possuem o monopólio dos combustíveis e cujos habitantes vivem em desertos infinitos, sendo cada gota de suor e humidade essencial para a sobrevivência.