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Da Cidade Berço para o Pai na Ucrânia

Vítor Oliveira
Opinião \ sábado, março 19, 2022
© Direitos reservados
O dia de hoje, como o de ontem e o de anteontem, não deve estar a ser fácil. Hoje, mais ainda! Hoje, é o teu dia. E o Dia do Pai só deveria de fazer sentido com um filho sempre ao lado do Pai.

Querido Pai, 

40 horas e 4 mil quilómetros depois, estou em lugar seguro! Viemos de autocarro e chegamos a Guimarães, a primeira capital de Portugal que, até há bem pouco tempo, tinha 66 ucranianos (29 homens e 37 mulheres) e que, agora, num espaço de uma semana, tem o dobro de pessoas do nosso país! 

Mal cheguei, fui bombardeado com mil abraços e sorrisos. Como só tu sabes dar! Não estás aqui, é verdade, mas eu gosto na mesma de ti, sabias? Hoje, no Dia do Pai, não tenho o teu abraço e percebi que já não gosto (mais) de ti até à lua! Agora, vou um bocadinho mais longe na intensidade: gosto de ti até à Ucrânia! És o melhor Pai do mundo! E, hoje, é pelo mundo que eu ando… 

Nesta viagem até Guimarães, cruzei-me no caminho com uma mensageira: a Imagem Peregrina de Nossa Senhora de Fátima, que deixou um país em paz para vos proteger na Igreja da Natividade, em Lviv, na nossa Ucrânia. A mesma Imagem Peregrina que, no calor do verão de 2021, esteve aqui na Penha, a montanha de Guimarães que tem um santuário mariano… 

Hoje, 19 de março, passam 24 dias que a guerra começou. Têm sido dias muito difíceis, bem sei! Sou muito pequeno, ainda estou a crescer, mas já tenho a maturidade suficiente para perceber que uma guerra não faz muito sentido. Traz perdas. Causa traumas. E, a mim, está a obrigar-me a ser adulto mais depressa… 

Mal cheguei a Portugal, assustei-me! Diziam que o país era seguro e estava em paz. Foi o que a Mãe me disse também a mim e à minha mana. Os três acreditamos. E confiamos, claro! Entramos em Portugal e o olhar dela para o infinito deixou-me… inquieto. Por momentos, duvidei do que nos disseram e achei-me protagonista de um filme. De terror.  

A Mãe não tirava os olhos do céu. A cortina de fumo no horizonte também me deixou incrédulo. Sempre com um sorriso para oferecer, os nossos Amigos portugueses não estavam a perceber os nossos repentinos movimentos nos bancos do autocarro. E acalmaram-nos!  

O fenómeno atmosférico era raro e resultava de nuvens de poeiras em suspensão vindas do deserto africano. As tempestades de areia são ali frequentes, mas habitualmente não têm correntes de ar que as possam movimentar. E a depressão Célia tinha que atingir a Península Ibérica, logo agora… 

Nós, aqui aflitos com um estranho pó que caía do ar. E o teu céu feito de mísseis! De repente, parece que todos esquecemos a pandemia. Na Ucrânia, onde tu estás agora, finge-se que já não existe. As regras de etiqueta respiratória são coisas do século passado. Já não se cumpre o distanciamento social. Nem tão pouco há tempo para desinfetar as mãos… 


Ai, Pai! 


Não te massacro mais com estas linhas. O dia de hoje, como o de ontem e o de anteontem, não deve estar a ser fácil. Hoje, mais ainda! Hoje, é o teu dia. E o Dia do Pai só deveria de fazer sentido com um filho sempre ao lado do Pai.  

Em qualquer circunstância, mesmo na mais adversa, existem sempre vários caminhos. E o meu trouxe-me até Guimarães! O único lugar sem caminho é o medo, não é? Aqui, soube que nasceu Portugal. Mas nasce também, agora, uma nova vida para mim. A cidade que é o Berço de Portugal passou a ser o meu quartel-general. Fiquei descansado. Fica tu também descansado! 

Só mais uma coisa.  

Hoje de manhã, no Dia do Pai, acordei com um morteiro e com a sirene a tocar em Guimarães. Estremeci, como deves imaginar! Baixei a cabeça e refugiei-me debaixo dos cobertores. Eram os 145 anos dos Bombeiros de Guimarães. Eram (só) os Soldados… da Paz! Heróis como tu, Pai!  

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