Crise de segurança alimentar e a independência alimentar
Tem Portugal, ao longo das últimas décadas, muito alterado o seu desenvolvimento económico, não estando, neste, espelhada qualquer aposta estratégica na agricultura e no agroalimentar. Implica, pois, que salvo setores específicos (como a avicultura, em que somos autossuficientes; o vinho e o azeite ou a floresta, em particular a cortiça), o país importe grande parte do que consome, concentrando distribuição e seguindo tendências mundiais.
Ora, sem uma sentida solidariedade e um abandono impressionante, as zonas agrícolas (em particular as de interior) envelhecem e esvaziam-se. Olhando mesmo a nossa malha rural, entre a pequena horta e o inculto, não é percetível ver (salvo muito raras exceções) uma forte dinâmica agrícola, que produza alimentos e se traduza em riqueza e valor para os agricultores.
Esta dependência alimentar é, hoje, tão relevante como a energética e acentua-se com a guerra da Ucrânia, considerada o celeiro da Europa. O comércio mundial de trigo, uma commodity, tem nos dois países beligerantes um peso de um terço do volume total de exportação, a que se adiciona 80% do óleo de girassol e o milho, com aproximadamente 20% do comércio mundial. Por outro lado, a Rússia, produtor global de baixo custo e alto volume para todos os grandes fertilizantes, analisa a suspensão da sua exportação, sendo, ainda, o segundo maior produtor mundial de potássio, um nutriente fundamental usado nas principais culturas e produtos de commodities.
Tudo isso aponta para o aumento dos custos para os agricultores, que necessitam de redimensionar o uso de fertilizantes, implicando rendimentos mais baixos das culturas e empurrará os preços dos alimentos para valores mais altos, em todo o mundo. Com efeito, o Índice de Preços dos Alimentos da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura subiu para 140,7 no mês passado, o maior desde que a organização internacional começou a compilar, em 1996, dados relacionados.
Sendo já observado um aumento de preços (cerca de 30% do trigo, desde o inicio do conflito), a escassez e o preço condicionam todo o mundo, principalmente as populações mais vulneráveis. O Egito, por exemplo, depende da Rússia e da Ucrânia para 86% de suas importações de trigo e o Programa Mundial de Alimentação depende da região para metade do trigo usado em programas de ajuda alimentar, por exemplo, no Iémen. Estamos, pois, perante uma guerra numa área geográfica, a do Mar Negro, que desempenha um papel importante no sistema alimentar global, exportando pelo menos 12% das calorias alimentares negociadas no mundo, comprometendo a segurança alimentar global e aumentando as tensões geopolíticas.
Compreendemos, agora, que a globalização, sendo uma inevitabilidade da presente sociedade, implica a inteligência de a compaginar com soluções nacionais e/ou locais. A própria estratégia do “GREEN DEAL”, o próximo quadro comunitário de apoio, promove o GLOCAL, com intervenções de proximidade, não só por questões ambientais, mas, igualmente, no estimulo da produção local.
Mantendo e reforçando as nossas preocupações humanitárias e de solidariedade, as estratégias que se apresentam perante estas duas crises (energéticas e alimentares) são absurdamente desiguais, como tem sido tradição. Sem alimento não precisamos de energia e combustíveis, e a aparente ausência de medidas, apenas no setor primário, é incompreensível.
Contudo, localmente pode-se estimular e criar uma estratégia para as zonas rurais. Mais do que iniciativas genéricas, inicie-se, em Guimarães, uma politica de reforço do espaço agrícola, com a valorização dos seus produtos e produtores, que contribua para uma verdadeira independência (também) alimentar.