Verão "hygge"
Escrevo esta crónica numa aldeia da Dinamarca profunda, onde notícias da variante delta parecem longínquas. Estou há uma semana a testar a alma hygge do país, tentando perceber porque é que os cinco milhões de dinamarqueses são considerados, em diversas pesquisas e durante anos consecutivos, um dos povos mais felizes do mundo. Será hygge o segredo?
A palavra, difícil de explicar e de pronunciar, veio coroar a minha vontade de visitar a Dinamarca. O termo explodiu em popularidade em anos recentes, sendo formalmente reconhecido com a sua adição ao Oxford English Dictionary em 2017. Podemos traduzi-lo como algo parecido a "aconchego", ainda que signifique muito mais.
A essência de hygge consiste em criar uma atmosfera calorosa e desfrutar das coisas boas da vida. O que descobri nesta (ainda) breve experiência, é que o conceito não pressupõe grandes programas; pode ser aplicado a todos os momentos do dia.
Hygge, verbo ou adjetivo, é tirar algum tempo da correria diária para estar com as pessoas de quem gostamos, ou mesmo sozinhos, para relaxar e desfrutar de prazeres simples. Partilhar uma refeição ou um copo de vinho, acender uma vela, preparar e saborear um chá. Requer apenas consciência, uma certa lentidão e a habilidade de reconhecer e desfrutar o presente, numa espécie de mindfulness ao estilo nórdico, que encaixa muito bem com o slow living e o slow travel.
A filosofia hygge foi “inventada” para sobreviver ao tédio, frio e escuridão do Inverno, numa região onde este é longo e rigoroso, mas pode ser aplicado em qualquer altura do ano. Nestes dias quentes, sinto-o em piqueniques de amigos, em cabelos ao vento no percurso de bicicleta (na capital, há mais bicicletas do que carros a circular), em caminhadas entre florestas retorcidas, em busca do troll da sorte, nas crianças de calções, a refrescarem-se nas fontes públicas.
A estadia neste país escandinavo ainda vai a meio, mas já posso concluir que este sentimento de felicidade está também enraizado nos valores sociais de igualdade e bem-estar coletivo, de confiança no governo – num país onde os índices de corrupção estão entre os menores do mundo – e no próximo. Os bebés ficam a dormir nos carrinhos à porta dos cafés, quando o tempo está agradável, enquanto os pais comem no interior!
Bem, eu adoro o meu país - a comida, a hospitalidade, as horas anuais de sol – mas não me importava nada se Portugal fosse um pouco mais hygge, coletivamente. No que diz respeito ao equilíbrio entre vida pessoal e profissional, ao ensino superior gratuito, aos índices de criminalidade. Os impostos são pesados, mas, na Dinamarca, poucos têm demasiado e ainda menos têm muito pouco.
Claro, a perfeição não existe: também existem dinamarqueses carrancudos, sem-abrigo e ruas sujas. Os preços são caríssimos para um habitante do sul da Europa e ainda é dia às onze da noite, o que tem sido fatal para o sono. Mas estou a tentar entrar no espírito hygge e guardar apenas o que é bom de guardar.
Ruthia Portelinha, autora do blog O Berço do Mundo