Uma dose de democracia em 20 minutos
Democracia exige debate. Um sistema democrático e parlamentar não consegue funcionar sem uma forte componente de discussão, em que os representantes eleitos usam as suas vozes em confrontos de ideias, verdadeiros conflitos abertos onde se usam palavras em vez de balas. A necessidade de debate não impede que este seja feito segundo regras específicas, muito pelo contrário, sendo as regras de boa educação e os limites de tempo e forma dados aos oradores as únicas coisas que asseguram equidade e utilidade.
É impossível selecionar representantes políticos sem os ouvir a falar, não apenas acerca do que defendem e do que pretendem fazer, mas sobre o que os separa dos restantes. Os candidatos devem ser escrutinados segundo a forma e conteúdo das suas intervenções, sendo estes combates verbais de gladiadores modernos os momentos altos de qualquer ato eleitoral. Tendo seguido os debates relativos às eleições de 30 de janeiro com atenção, creio poder tecer sobre eles alguns comentários.
O debate entre Mário Soares, líder do Partido Socialista, e Álvaro Cunhal, líder do Partido Comunista Português, teve lugar a 6 de novembro de 1975 na RTP. Este duelo lendário na política portuguesa durou quase três horas, entre o fumo dos cigarros e o suor dos espetadores. Olhamos para este debate como um ponto alto na democracia portuguesa, não apenas por causa do momento histórico pós-revolucionário que marcou, mas também porque sentimos que perdemos algo desde então.
Tenho dúvidas que atualmente a maior parte da população mantivesse atenção durante um debate de três horas entre os dois principais candidatos a primeiro-ministro, assim como tenho dúvidas da vontade que os órgãos de comunicação social teriam de o acolher nos seus tempos de antena. Os atuais debates televisivos são muitos e variados, com todas as combinações possíveis de forças políticas, mas com todos os defeitos inerentes a um debate televisivo potenciados pela sua duração reduzida.
Não é possível apresentar um programa e uma visão para o país em vinte minutos, quanto mais combater a visão de um adversário. Com estes debates podemos ver a capacidade de cada líder partidário se preparar para um confronto relâmpago, onde carisma e frases sonantes são as melhores armas, mas pouco mais, dando este modelo mais palco às forças extremistas do que elas merecem.
Apesar de me divertir com eles, quais partidas de futebol, temo que não apresentem a faceta adequada da nossa democracia aos nossos eleitores mais jovens ou indecisos, servindo antes de uma representação audiovisual das interações digitais modernas: pedaços rápidos, simplificados e facilmente consumíveis de algo mais complexo, delicado e poderoso. Talvez este modelo chegue a mais pessoas, e talvez arranjar outro fosse difícil, mas não acredito que este seja o melhor, ou sequer o único possível. Os próprios canais gastam mais tempo a comentar os debates do que a transmiti-los, o que demonstra que a conceção
da programação não foi de todo acidental.
O seu efeito na abstenção ainda está por provar, mas não estou esperançoso. Que quero dizer com tudo isto? Que independentemente do resultado destas eleições, a ausência de profundidade na forma como nos envolvemos com os nossos processos democráticos poderá ser um veneno que se infiltrou na nossa democracia, e que exigirá assertividade e dedicação a combater.
Democracia implica compromisso e dedicação. Não é sempre agradável, ou fácil de incluir nos nossos dias atarefados, mas é sempre necessária. Podemos ter falhado na educação para a democracia, mas ainda vamos a tempo de o corrigir. E quem sabe se um dia não voltaremos a ter um debate de três horas na RTP, onde veremos com os corações a palpitar o futuro a ser discutido, ali à nossa frente, com um pouco menos de fumo no estúdio.