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Sabroso, 1878. Narrativa trágica

Gonçalo Cruz
Opinião \ terça-feira, março 29, 2022
© Direitos reservados
Permanece, naturalmente, em aberto, a investida de Décimo Júnio Bruto sobre Sabroso, pelo simples facto de ser quase impossível de provar ou rejeitar.

A profunda impressão, que devia causar no Entre-Douro-e-Minho esta torrente devastadora e inelutável, pode ainda avaliar-se pela qualidade das notícias que nos deixaram os cronistas. Foi sobretudo uma surpresa. A resistência desesperada, mas tumultuária, em que homens e mulheres combatiam à mistura, só serviu para aumentar a carnificina. (...) Para se furtarem à escravidão, e evitarem a dos filhos, as mulheres cativas degolavam-nos, e suicidavam-se em seguida. Os principais autores desta tragédia são os brácaros, devendo entender-se decerto por esta denominação os povos de entre o Ave e Cávado. Para os legionários romanos a escalada de fortes, como Sabroso e Santa Iria, devia ser quase um brinquedo...”*

* Martins Sarmento, 1878, Acerca das escavações de Sabroso (Estudo), A Renascença, fasc. 8, 9, 10, p. 124.

 

As palavras de Sarmento têm um impacto narrativo que nos leva a lamentar ele não ter publicado mais, falecido na altura em que se tinha decidido a escrever monografias das escavações na Citânia e em Sabroso. Seria interessante percebermos a sua interpretação, que nos chegou muito parcial quanto à Citânia. Já sobre o Castro de Sabroso, o estudo publicado n' A Renascença, em 1878 (ou 79, não sendo consensual o ano de publicação) é suficientemente elucidativo da leitura que fez e que o século seguinte viria a confirmar, em alguns aspetos, mas a refutar noutros. A confirmar quanto à origem pré-romana de Sabroso, a refutar quanto a ser a Citânia mais recente, pois que agora sabemos que os dois sítios tiveram uma ocupação contemporânea.

Permanece, naturalmente, em aberto, a investida de Décimo Júnio Bruto sobre Sabroso, pelo simples facto de ser quase impossível de provar ou rejeitar. Enfim... como já aqui vimos, na sua publicação dos anos 1970, e talvez inspirado por Sarmento, C. Hawkes foi mais longe na questão da alegada destruição de Sabroso, que também atribuía a Bruto. Contudo, Sarmento foi o "descobridor" de Sabroso, o estudioso que primeiramente desenterrou os vestígios do castro e que, portanto, os observou (e fotografou) como nunca puderam voltar a ser observados. Este aspeto atribui particular relevância ao seu estudo – apesar da colocação de hipóteses que parecem impossíveis de provar – por anotar pormenores que hoje não podemos ver, mas também porque ele refere já um faseamento das muralhas do castro, com uma reforma explicada pelo ataque romano.

Ao contrário de Hawkes, que sugere uma destruição parcial da muralha, Sarmento refere-se à reforma da mesma por necessidade de um reforço da defesa: "Nesta obra obedece-se sempre à ideia de reforçar a defesa de Sabroso contra o caso duma segunda investida", lê-se no mesmo estudo. Estes são pormenores sobre a história do Castro de Sabroso, em trabalhos de reabilitação até ao próximo verão.

 

Vala de escavação da muralha de Sabroso. Fotografia de Martins Sarmento, 1877-78

Vala de escavação da muralha de Sabroso. Fotografia de Martins Sarmento, 1877-78

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