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Reflexões jurídicas e sociais sobre as demolições em Talude Militar

Rui Fidalgo
Opinião \ quarta-feira, agosto 13, 2025
© Direitos reservados
O caso de Talude é um exemplo paradigmático. Mostra-nos como o Direito à Habitação, embora consagrado na Constituição, não é ilimitado.

As demolições de diversas habitações localizadas na zona de Talude, no concelho de Loures, geraram forte indignação e debate na opinião pública. As imagens de casas destruídas, acompanhadas do desespero dos moradores, trouxeram à superfície um tema sensível: o equilíbrio entre o cumprimento da legalidade urbanística e a salvaguarda do direito à habitação.

Importa esclarecer, desde logo, que grande parte das construções demolidas se encontrava implantada em terrenos classificados como taludes de risco geológico, sem qualquer tipo de licenciamento ou viabilidade urbanística, de acordo com o Plano Diretor Municipal (PDM) em vigor. Nesses termos, e perante sucessivas notificações não acatadas, a Câmara Municipal de Loures ordenou a sua demolição, invocando o dever de reposição da legalidade urbanística e a proteção da segurança pública.

Este é, portanto, um caso com contornos legais bem definidos: em Portugal, nenhuma construção pode ser erguida sem a necessária autorização camarária, que apenas é concedida se o terreno estiver legalmente afeto a fins habitacionais ou compatíveis com o tipo de construção pretendida. Tal proibição visa não apenas o ordenamento do território, mas também a prevenção de riscos para pessoas e bens, sobretudo em zonas classificadas como instáveis ou perigosas, como é o caso dos taludes.

Contudo, o enquadramento legal, por mais claro que seja, não apaga a complexidade humana e social que rodeia este tipo de situações. Em muitos dos casos agora conhecidos, as famílias afetadas habitavam as casas há vários anos, por vezes mesmo décadas. Algumas terão construído sem plena consciência da ilegalidade do ato, outras terão sido mal aconselhadas ou terão simplesmente confiado na ausência de fiscalização como sinal de permissividade tácita.

Este fenómeno de autoconstrução informal, ainda hoje presente em várias zonas do país, levanta questões profundas sobre a acessibilidade à habitação, o acompanhamento técnico das populações mais vulneráveis e o papel do Estado na prevenção de situações de irregularidade.

Enquanto profissionais do Direito, temos o dever de alertar para a importância da prevenção jurídica nestas matérias. Antes de comprar um terreno, iniciar uma construção ou mesmo arrendar um imóvel, é fundamental obter aconselhamento técnico e jurídico. A legalidade do terreno, a sua afetação urbanística, a existência de infraestruturas, as licenças exigidas e os riscos associados ao local devem ser previamente avaliados. Muitas vezes, os problemas que agora conduzem a situações dramáticas poderiam ter sido facilmente evitados.

O caso de Talude é um exemplo paradigmático. Mostra-nos como o Direito à Habitação, embora consagrado na Constituição, não é ilimitado. Existe em equilíbrio com outros interesses públicos — como o ordenamento do território, a segurança das populações e a proteção ambiental. Mas mostra-nos também que é necessária uma atuação mais preventiva e pedagógica por parte das entidades públicas e uma maior consciencialização jurídica por parte dos cidadãos.

Que esta situação sirva, pois, como um alerta coletivo. Porque todos temos direito a uma casa. Mas também temos o dever de garantir que ela foi construída com segurança, legalidade e respeito pelas regras que protegem a todos.

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