Quem guarda os nossos Rios?
Numa estranha institucionalização de um movimento cívico (qualquer dia temos A Oficina a organizar a Greve Climática Estudantil), esta celebração serviu de mote para a Vitrus Talks, um evento mensal descrito como um espaço de debate, inovação e partilha de conhecimento obre ambiente e sustentabilidade, e que nesta primeira edição pretendia apresentar os resultados do projeto dos Guarda-rios de Guimarães.
Em contra-senso com o espírito da efeméride houve muita letra, pouca ação e a população não teve voz. Assistiu-se ao já habitual autoelogio e a muita bajulação, descrevendo o que já foi feito mas ignorando a evolução do estado das massas de água do território e uma realidade que evidencia a necessidade de fazer mais e melhor.
No entanto, é justo elogiar o projeto dos Guarda-Rios ao qual reconheço mérito e muito potencial, e também deve ser feita uma referência positiva ao Plano de Ação para a Despoluição do Rio Ave de 2015, assim como a outros projetos mais recentes.
Mas apesar desses planos e projetos, o que os dados disponíveis no Plano de Gestão da Região Hidrográfica do Cávado, Ave e Leça mostram é que não existem efeitos práticos positivos, com as avaliações das massas de água muito aquém dos objetivos, e algumas até com evolução negativa.
Um exemplo bem evidente é o Rio Selho, que com a sua bacia praticamente toda em território de Guimarães, continua com o estado de massa de água classificado como “mau”.
E neste 3º ciclo de planeamento da Diretiva Quadro Água, das treze Zonas designadas para a Captação de Água Destinada ao Consumo Humano na Região Hidrográfica do Cávado, Ave e Leça, quatro delas “não cumprem os objetivos específicos”, e dessas, as duas que ficam na bacia do Ave são também as que ficam em Guimarães. Pois é, ao contrário do que acontecia no 1º e 2º ciclo de planeamento, e apesar do Plano de Despoluição se focar na proteção das captações de Gondomar e Santa Eufémia de Prazins, estas “não cumprem os objetivos específicos”.
No recente estudo de avaliação da disponibilidade hídrica em Portugal o índice de escassez determinado para a sub-bacia do Ave foi de 58% (uma surpresa pela negativa), o que corresponde à classificação de “Escassez Severa”, e que implica um planeamento e gestão com enormes dificuldades e desafios.
Mas nada disto foi abordado nesta Vitrus Talks, e também não se falou da delimitação do perímetro de proteção das captações de água, ou da continuidade fluvial preconizada na Estratégia Europeia para a Biodiversidade, ou da falta de caudais ecológicos nas barragens do Ermal, das Andorinhas e da Queimadela.
Nesse evento, onde estiveram representados o gestor local do território (Município) e a autoridade nacional da água (Agência Portuguesa do Ambiente - APA) foi referida a necessidade de falar simples sobre ambiente para passar a mensagem à comunidade. Ora, creio que não há linguagem mais simples que o exemplo dado pelos atos praticados, pelo que as violentas agressões aos recursos hídricos na sequência da Via do Avepark (planeada pelo Município e sancionada pela APA) são uma evidente declaração de hipocrisia ambiental que me leva a questionar com quem podemos contar para guardar os nossos Rios.