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O Solo

José Cunha
Opinião \ sábado, junho 19, 2021
© Direitos reservados
O solo continua a ser entendido por muitos como um mero suporte da ocupação humana artificializada, negligenciando-se o seu valor enquanto recurso natural fundamental.

O solo, assim como acontecia com a água, é percecionado pela generalidade das pessoas como um recurso abundante e inesgotável. Mas se em relação à água existe já uma consciência global da sua importância e escassez, o mesmo ainda não acontece com o solo, que continua a ser entendido por muitos como um mero suporte da ocupação humana artificializada, negligenciando-se o seu valor enquanto recurso natural fundamental.

A realidade é que o solo é uma componente básica dos ecossistemas naturais, assumindo funções de suporte à biodiversidade e à produção de bens primários, mas que é vulnerável às diversas pressões naturais e antrópicas que o vão degradando a um ritmo superior à sua regeneração natural (1 cm de solo pode demorar dezenas de anos a ser formado), tornando-o num recurso potencialmente finito.

Foi para dar notoriedade ao valor e vulnerabilidade dos solos que a Organização das Nações Unidas decretou o ano de 2015 como o Ano Internacional dos Solos. E foi já em 1982, que em Portugal, pela mão do arquiteto Gonçalo Ribeiro Telles, foi instituída a Reserva Agrícola Nacional (RAN) para salvaguardar os solos com melhor aptidão agrícola numa perspetiva de “património que a todos interessa e é pertença da comunidade ao longo das gerações”.

Com esse objetivo, a RAN constitui uma restrição de utilidade pública que condiciona o uso e ocupação dos solos, devendo os municípios incluir nos Planos Diretores Municipais (PDM) a delimitação dessas áreas, que salvo raras exceções não permitem usos distintos dos agrícolas sendo por isso alvo de pressões e especulação imobiliária.

Na primeira revisão do PDM de Guimarães houve muitos terrenos que foram incluídos na RAN (apesar de alguns deles já estarem comprometidos pelo prolongamento desastroso da conclusão do processo), e outros que pertenciam à RAN e foram objeto de exclusão. Foi o caso de 91,44 hectares que passaram a estar disponíveis para “espaços industriais”, uma área que corresponde a quatro vezes a área do Parque Industrial de São João de Ponte.

Ainda assim, e apesar desta disponibilidade acrescida de espaços industriais, tem sido recorrente o recurso às exceções previstas no regime jurídico da RAN para legalizar o uso não agrícola de solos dessa reserva. Numa avaliação do cumprimento da utilização do solo para fins não agrícolas decorrente de ações de relevante interesse público no âmbito do regime jurídico da RAN realizada pela Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, o município de Guimarães aparece como um dos que mais uso fez dessa exceção, com cinco processos no período em análise (2013-18).

O novo Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território, que constitui a base referencial dos PDM, dá especial ênfase ao reconhecimento e salvaguarda do valor dos solos referindo que “a artificialização, degradação e fragmentação do solo são problemas persistentes com causas enraizadas em lógicas económicas”.

São estas lógicas económicas que precisam de ser substituídas por lógicas de sustentabilidade nesta nova revisão do PDM de Guimarães. No entanto, as notícias que têm vindo a público não auguram nada de bom, com promessas de aumento de área de construção em tudo que é freguesia. Será mais um exemplo do verde da treta que terá consequências mais gravosas e persistentes para a sustentabilidade e resiliência de Guimarães que algumas centenas de descargas pontuais de efluentes industriais no rio Ave, mas a que todos assistimos impávidos e serenos.

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