O exemplo da Lapinha (para o mundo)
Conhecida por ser a Padroeira dos Agricultores, a Senhora da Lapinha faz este domingo a sua tradicional Ronda anual, há mais de quatro séculos, por 14 freguesias de Guimarães, na tarde do terceiro domingo de junho.
Unindo os pontos cardeais de cada uma das freguesias, a forma geográfica que nos proporciona é um círculo, uma roda, um pequeno mundo, com um percurso total de 21 quilómetros, cumprido numa só tarde por uma multidão de peregrinos – que a torna única no mundo!
Nesta meia maratona da Fé, são rezados 20 terços ao longo do caminho, o que representa a oração de um terço com 50 Ave-Marias por cada quilómetro realizado – o mesmo é dizer que, no final da Ronda, são rezadas… mil Ave-Marias!
Neste ritual de sacralização do território, os romeiros atravessavam as 14 terras de Guimarães, clamando por boas colheitas, enquanto davam graças pelo que tinham semeado e colhido. Uma peregrinação secular que representa a gratidão e a oferenda.
Uma manifestação de Fé simbolizada na ida do campo (Senhora da Lapinha) à cidade (Senhora da Oliveira) “entregar” os frutos da terra. Um rito de troca simbólica onde se pede proteção e renovação da fertilidade do mundo rural.
É no cultivo dos campos que estão os alicerces da subsistência. É na cidade, no poder administrativo, político e religioso, que se definem as medidas para a estabilidade de uma comunidade.
É (também) por isso que a entrada da Senhora da Lapinha na Colegiada da Oliveira tem um peso tão forte, tão emocionante e uma carga espiritual tão densa. Nessa altura, os dois mundos (rural e urbano) fundem-se: a cidade agradece a quem, todo o ano, tem a responsabilidade de trabalhar a terra e alimentar o burgo.
É a celebração de um Pacto, com o povo de Guimarães a absorver e a acarinhar a Santa, numa perfeita comunhão pontuada por sonoros aplausos que se ouvem prolongadamente, enquanto o andor, com uvas e milho, entra na Igreja da Oliveira – símbolo do poder religioso em Guimarães.
Mais de 400 anos depois, a tradição cumpre-se agora em pleno século XXI – caracterizado por ser uma sociedade de consumo (rápido), que se lembra poucas vezes das suas origens, de onde tudo começa, que desvaloriza as coisas simples, a terra, a natureza, a cultura da reciprocidade, do dar e do receber. Da cooperação, afinal de contas.
Esta é uma das (muitas) mensagens que a Senhora da Lapinha nos transmite, desde a sábia paróquia de S. Lourenço de Calvos. Um lugar tão recôndito, mas tão capaz de dar lições ao mundo. Que tem (mesmo) de cooperar…