Noites felizes, manhãs tristes
Amigo Fontãozinho: “Noites felizes, manhãs tristes!”, já dizia o grande filósofo. Disse-me vezes sem conta, nos tempos de universidade, o meu amigo João, sempre que, na manhã que se seguia à festa, se pagavam os excessos da noite passada. Sempre achei que o filósofo era ele, mas seja quem for o autor da frase, não tenho dúvidas da sua inevitabilidade.
Aplicando à economia, a inevitável ressaca vem normalmente sobre a forma de uma palavra que temos ouvido de forma crescente nos últimos meses: INFLAÇÃO; e que podemos definir como um aumento generalizado nos preços dos bens e serviços, que resulta numa redução do valor do dinheiro. Ou seja, metemos os mesmos 20€ de gasolina, mas o carro percorre menos quilómetros.
Resulta igualmente dos excessos cometidos quando julgamos que a festa nunca irá terminar, e resolve-se da mesma maneira que a indisposição que se segue às noites de copos: sofrimento q.b., neste caso, através da aplicação de medidas restritivas, que habitualmente resultam numa recessão, com a diminuição temporária dos salários reais e do poder de compra.
Desta vez, a noite de farra foi à old school, por um lado com uma injeção de dinheiro na economia sem precedentes, através do programa de compra de dívida dos países endividados como Portugal e da aprovação de diversos pacotes de estímulos durante a pandemia, e, por outro, com a manutenção pelo BCE das taxas de juro diretoras em níveis anormalmente baixos por um longo período. O excesso de liquidez e a manutenção das taxas de juro em níveis excessivamente baixos por demasiado tempo nunca trouxeram bons resultados, pois, como já sabemos, o dinheiro “barato” leva à tomada de decisões de investimento e de consumo exageradas e desprovidas de racionalidade por parte dos indivíduos e das empresas. E a conta aparece SEMPRE mais à frente para pagar!
Somando a isto os constrangimentos, principalmente ao nível da oferta, causados inicialmente pela pandemia (os inúmeros lockdowns da economia chinesa impostos pela estratégia “Covid Zero” resultaram num aumento generalizado do preço de diversas matérias-primas, como o ferro, o alumínio, a madeira, o algodão, já para não falar do aumento exponencial dos custos de transporte) e mais recentemente pela guerra da Ucrânia (que originou um aumento exponencial do preço dos combustíveis e dos cereais), desenvolveu-se uma tempestade perfeita.
A festa foi rija e durou até ao amanhecer; o dia seguinte será duro, mas, com a dose certa de líquidos e de aspirinas, a coisa resolve-se. Com medidas ponderadas, sem precipitações e fugindo-se de soluções fáceis e de declarações contraditórias que só geram confusão nas pessoas.
Afirmações como as de António Costa na semana passada a pedir um aumento de 20% nos salários do setor privado até 2026 devem ser reservadas aos balcões das tascas e serem proferidas obrigatoriamente de palito no canto da boca. Sim, senhor Primeiro-Ministro, porque tal como disse o Ministro das Finanças para justificar o facto de não rever este ano os salários da função publica, o aumento dos salários, mais ainda no setor privado, em nada ajuda a conter a inflação. O aumento dos salários incrementa a estrutura de custos das empresas, que repercutem esses aumentos no preço dos bens e serviços que comercializam, o que vem inflamar ainda mais a economia. Prudência precisa-se! Se aumentar salários fosse a solução, haveria muitos multimilionários na Venezuela.
A inflação terá ainda um impacto muito mais severo nas famílias com maior exposição ao crédito bancário e de rendimentos mais baixos. Redobrar esforços para que ninguém fique para trás, criando-se mecanismos para que os mais endividados não percam as suas casas por um incumprimento temporário dos seus créditos e garantir que nenhum português deixe de ter acesso a uma alimentação condigna no século XXI deverá ser um desígnio para os nossos governantes.
Se o conseguirem cumprir, criando ao mesmo tempo um ambiente favorável ao desenvolvimento dos negócios, as manhãs gloriosas rapidamente regressarão!