Serviço Nacional de Saúde: para onde caminhamos?
A paciência dos médicos do Serviço Nacional de Saúde (SNS) atingiu o limite! É assim que se deve interpretar este período de contestação, de greves, enfim, de desencanto. E o mais grave é que esse desencanto não se recupera de um dia para o outro, na sequência de um hipotético aumento dos vencimentos ou de uma ou outra cedência. É certo que a tutela tem negociado ao longo dos meses com os sindicatos de uma forma trapaceira, tentando fazer crer que está empenhada na resolução dos problemas, mas na realidade tal não corresponde à verdade. Tem-se tratado pois de uma negociação perversa da qual os médicos se fartaram. De tal forma que se teme que a situação se possa arrastar, como tem acontecido com os professores. Resta acrescentar que, lamentavelmente, quem, por último, fica mais prejudicado é, como sempre, os doentes, os utentes, a população. Com a agravante de ser de saúde que estamos a falar, o bem maior de todos nós, por muito que os políticos se esqueçam de tal.
Mas vamos focar-nos no porquê de existir esse desencanto com o SNS. Trata-se de um processo com evolução de anos, em que os profissionais e nomeadamente os médicos vêm sendo sucessivamente desvalorizados, não reconhecidos, não acarinhados, trabalhando frequentemente em situações impróprias, para não dizer degradantes, fruto de um serviço cronicamente subfinanciado, em que progressivamente vão faltando cada vez mais meios, fruto desse subfinanciamento que origina que as estruturas (nomeadamente os hospitais) sejam hoje, na generalidade, empresas em falência técnica.
Faltam recursos humanos e técnicos, tudo é uma enorme complicação para se conseguir melhorar, fruto de uma legislação que aprisiona e esvazia os poderes das administrações locais, o que origina uma dependência centralista paralisante. E quem tenta contornar esta paralisia habilita-se a ser considerado um “fora da lei”, com todas as consequências daí resultantes. Por vezes só uma miraculosa criatividade consegue vencer as dificuldades. Ora esta situação transformada num quotidiano persistente, cansa, faz esmorecer, leva as pessoas a desistir, a procurar outras realidades mais apelativas que melhorem a sua qualidade de vida. O que é legitimo! E atenção que nem me pronunciei sobre as condições remuneratórias, pois sobre isso é melhor nem falar. De uma forma geral, para todos os profissionais de saúde.
Poder-se-á perguntar porque não muda a situação quando estas insuficiências estão diagnosticadas há vários anos? Apenas por incompetência e falta de coragem da classe política em geral, que não quer compreender que se impõe um acordo de regime que trace uma estratégia salvadora do SNS, independente da cor política que nos governe. Claro que existem alternativas ao SNS, mas não estão universalmente acessíveis, nomeadamente para uma franja da população mais desfavorecida.
Assim continuando, será inexorável o colapso total do SNS, uma vez que o colapso parcial é já uma realidade. Assistiremos uma “brasileirizaçao” dos cuidados de saúde, em que existem cuidados privados de qualidade elevada e cuidados estatais de baixíssima qualidade, em que falta um pouco de tudo para os que não têm acesso aos primeiros. Mais desanimador para quem pensa no futuro, é ouvir e ler no recentemente lançado livro de memórias de Antonio Correia de Campos, personalidade reconhecida na área da saúde e ex-ministro, que o problema é insolúvel. Pergunta-se o que faltará: novos políticos com mais capacidade ou apenas um acréscimo de coragem e bom senso?