Habitação – para quem?
Na passada quinta-feira, dia 02 de fevereiro, o BCE voltou a subir a taxa de refinanciamento em 0,5%, elevando-a para 3%. E deixando já o aviso que na próxima reunião que ocorrerá em março haverá nova subida de mais 0,5 pontos percentuais, para 3,5%, e que a trajetória de subida das taxas de juros irá manter-se até que a inflação esteja controlada.
Em linha com este aumento, a Euribor a seis meses, a mais utilizada nos créditos à habitação em Portugal, chegou aos 3,029%, o valor mais alto desde dezembro de 2008.
Para termos uma noção do real impacto deste aumento: num crédito à habitação a 30 anos de 150.000€, com um spread de 1%, a prestação mensal teve um aumento no último ano superior a 200€, passando de aproximadamente 500€ para um valor superior a 700€. E, em Portugal, mais de um milhão de famílias tem crédito à habitação, e mais de 80% com taxa variável.
Ainda a título de exemplo, pensemos num casal que pretenda adquirir um T3 novo ou seminovo no centro ou relativamente perto do centro de Guimarães, cuja preço médio será seguramente superior a 200.000€ (vamos apontar para 230.000€) e que contraia um crédito habitação no valor máximo previsto na lei (85% do valor de aquisição ou da avaliação), de 200.000€ a 30 anos, com a Euribor nos níveis atuais e igualmente com um spread de 1%: irá pagar uma prestação mensal de 955€!! O que implica ainda que para cumprir a taxa de esforço de 1/3 comummente exigida pelos bancos, este casal terá que auferir um rendimento líquido mensal de 2.850€.
Quantos casais tem este rendimento médio em Portugal? E em Guimaraes?
Este tema não é novo, e a dificuldade no acesso à habitação em Portugal, principalmente nos jovens, fruto do aumento acentuado do preço da habitação, tem sido um tema já imensamente debatido, multiplicando-se os diagnósticos que apontam diversas justificações para o problema, como sejam: uma redução acentuada do número de fogos construídos na última década, a morosidade dos processos de licenciamento, a enorme carga fiscal que incide sobre a construção, a manutenção por um período demasiado longo de taxas de juros baixas, e as diversas medidas e benefícios fiscais (Vistos Gold e Regime Fiscal dos Residentes Não Habituais) que visam atrair cidadãos estrangeiros de alto rendimento para investirem, trabalharem e residirem em Portugal.
No que diz respeito aos motivos primeiramente mencionados, a sua resolução, embora obrigatória para solucionar a questão, poderá ser mais demorada. Já começar a atacar o problema pelo lado dos incentivos em vigor para a atração de não residentes para o nosso país poderá ser imediato: só até 2018 (dados disponíveis), cerca de 24.000 pessoas já tinham aderido ao regime dos residentes não habituais, a somar aos quase 12.000 vistos gold atribuídos até 2021.
Com a oferta de habitação em níveis historicamente baixos, e até que esse estrangulamento seja resolvido, qual é a razoabilidade económica de se manterem medidas e regimes especiais (em que são oferecidas condições de tributação bem mais vantajosas a quem escolhe Portugal para viver e trabalhar dos que as que são aplicáveis aos que cá residem) que pressionam a procura de imóveis, fazendo o seu preço subir por um lado e, por outro, direcionam a construção de novos fogos para o segmento médio alto, mais procurado por estes novos residentes, em detrimento da construção para o segmento médio e médio-baixo.
Pelo que a legislação de atribuição de Vistos Gold e o Regime Fiscal para os Residentes Não Habituais têm de ser revistos e eventualmente, eliminados.