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Eu, mulher viajante, me confesso: “Adoro viajar sozinha”

Ruthia Portelinha
Opinião \ sábado, junho 25, 2022
© Direitos reservados
Medos todos temos, mas, regra geral, os nossos monstros são maiores e mais temíveis que a realidade.

Ruthia Portelinha, viajante e autora do blog O Berço do Mundo

A noite estende-se, sem pressa. Lá em baixo, táxis vermelhos circulam do lado errado da estrada. O fluxo será bastante mais lento daqui a umas horas. Estou sentada diante do janelão que cobre a parede exterior do meu quarto, no décimo oitavo andar de um hotel na Canton Road, em Hong Kong.

A chuva coloca uma espécie de filtro no cenário, tranquilo a esta hora da madrugada. Há ruídos que atravessam, ainda assim, a chuva, a distância e os vidros, sem que consiga identificar a sua origem exata. No edifício vizinho, um outdoor que ocupa vários andares publicita uma marca japonesa de relógios. E na televisão, sem som, passa uma série estranhíssima.

 

Aterrei há duas ou três horas, entre chuva e trovões, uma demonstração da Natureza que impôs respeito, mas que não impediu uma aterragem suave. Agora, o jetlag não me deixa dormir, apesar de estar muito cansada, depois de uma longa jornada de voos, escalas e transferes. E daqui a muito pouco tempo terei que apanhar o ferry que me levará à China continental.

A esta insónia também não é alheia alguma ansiedade, não só porque é a primeira vez que viajo sozinha, mas também porque o destino se agiganta com as suas dificuldades de comunicação, apesar de ter frequentado aulas de mandarim. Vários conhecidos franziram o sobrolho perante esta decisão. “Porque vais sozinha?”, “isso é perigoso”, “não tens medo?”

 

Medos todos temos, mas, regra geral, os nossos monstros são maiores e mais temíveis que a realidade. Nunca afirmarei que viajar a solo é igual para um homem e uma mulher. Infelizmente, há países com estatísticas assustadoras de assaltos, assédio e violações. Depois há destinos sobre os quais sabemos muito pouco. Talvez por isso uma das perguntas mais comuns nos fóruns de viajantes é: “o destino é seguro para uma mulher sozinha?”. 

Não regressaria ao Egito sem companhia, mas em breve farei uma viagem à Turquia apenas com o meu filho e, duvidando que a sua presença de pré-adolescente me proteja de assédio, teremos um guia para nos acompanhar. Bastante pesquisa e bom senso são a fórmula secreta para que uma viagem a solo decorra sem sobressaltos. Eu envio sempre uma cópia dos documentos e a morada do hotel para duas pessoas de confiança. Outro truque será partilhar o roteiro e o GPS do telemóvel com família e amigos próximos.

 

Discretamente, o céu começa a clarear; a cidade prepara-se para a luta de calor e superação que recomeça a cada manhã. Estou aqui, estou plenamente aqui, consciente desta aventura que começa e que se vai revelar libertadora.

Vários anos depois desta primeira vez e muitas outras aventuras depois, defendo que todos devíamos ter a coragem de ir, de estarmos sozinhos(as), pelo menos uma vez na vida. Sentir na pele as nossas dúvidas interiores. Não, não sou particularmente temerária. Sou cautelosa; tenho um filho para criar, mas a falta de companhia não me impede de conhecer o mundo. E não estou sozinha, há cada vez mais mulheres que tomam as rédeas das suas viagens.

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