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Parabéns Mil(enário)!

Vítor Oliveira
Opinião \ sábado, outubro 28, 2023
© Direitos reservados
Um dos cafés mais emblemáticos da cidade de Guimarães assinala sete décadas. Em meados de novembro. No próximo dia 14, concretamente.

É um lugar de convívio obrigatório, saudáveis tertúlias e rotineiras leituras. Com uma vista privilegiada para o Largo do Toural há já 70 anos, o Café Milenário guarda memórias desde o tempo do Estado Novo e é um dos últimos resistentes cafés históricos em Portugal.

O nome foi escolhido em honra da história milenar de Guimarães. Abriu em 1953, no ano em que se comemoraram mil anos de cidade, o que resultou no nome “Milenário”! À sombra da Torre da Alfândega, onde se lê “Aqui Nasceu Portugal”, sente-se na atmosfera o aroma característico do café feito em cafeteira, que perfuma o ar do Milenário há 70 anos.

Uma especialidade, uma raridade, que seduz e cativa clientes fiéis. Como o senhor Edmundo, um antigo bancário, hoje reformado, que vem de Braga todos os dias a Guimarães tomar café. Porque o lugar é especial. E os lugares especiais ficam no coração… da cidade de Guimarães!

Pelo Café Milenário, já passaram várias gerações e alguns nomes ilustres da nossa praça: Francisco Sá Carneiro, Diogo Freitas do Amaral, que tinha várias propriedades em Guimarães, ou o cineasta Manoel de Oliveira, que também não era difícil vê-lo ali a almoçar.

Ao longo da sua vida, o Milenário assistiu a grandes transformações sociais e políticas que foram tema de café e, uma vez, até de uma carga policial! Na campanha de Américo Tomás para as Eleições Presidenciais de 1958, que disputou com Humberto Delgado, o Café foi porto de abrigo para quem estava no Teatro Jordão, no dia do comício de Américo Tomás.

Uma forte carga de pancadaria no Toural varreu a eito gente da oposição e da situação. Quem pôde, refugiou-se no Café Milenário, com a polícia a entrar pelo café adentro, à coronhada. Também no “Milenário”, em 1974, foram esboçadas estratégias locais entre o Coronel Guimarães, Santos Simões, António Mota Prego, entre outros nomes vimaranenses da Revolução de Abril.

Contemporâneo da Pastelaria Clarinha – abriu um mês depois –, o Café Milenário chegou a estar dividido em duas partes. Uma era a mercearia do Sr. Braga Carvalho, que também servia de escritório da empresa de camionagem Viação Auto-Motora, de António Magalhães. Depois, a gerência de então tomou conta da parte da mercearia e alargou o espaço do café.

O mobiliário, a pintura e o Vitória

Em meados da década 70, o Milenário tinha tanta clientela que nas horas de maior afluência havia cinco empregados nas mesas. Era, sobretudo, muito frequentado por comerciantes, industriais, empresários e bancários que faziam ali o seu segundo escritório.

Na verdade, em Guimarães, é comum dizer-se “No Milenário”, como se estivéssemos a falar de uma praça ou de uma rua da cidade. Como se fosse pertença (e propriedade) de todos! A arquitetura, e até o mobiliário, ainda são os originais. É certo que já recebeu vários restauros ao nível de madeiras, mas são as mesmas cadeiras onde os nossos avós se sentaram, garantidamente.

Há, no entanto, uma alteração feita – logo nos primeiros anos. Onde está hoje uma parede de espelhos esconde-se um fresco, que retratava uma cena de caça, então censurado pela clientela de elite. Tinha animais e corpos nus de caçadores, um sinal de modernidade que não foi bem acolhido – o que levou a que as senhoras se recusassem a entrar. Como tentativa de disfarce, ainda idealizaram uma saia para as partes mais íntimas da pintura, mas não resultou. A imagem – bem bonita, por sinal – teve de ser eliminada.

Estórias… interiores! Mas também exteriores.

Cá fora, o edifício do século XIX onde está o Milenário destaca-se pelo seu antigo anúncio luminoso e pela fachada revestida a azulejo azul. Um olhar mais atento descobre, ainda, uma placa que evoca o local onde nasceu o Vitória, em 1922. E, agora, pode voltar ao início deste texto. E continuar a ler a crónica…

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