A maior ameaça à democracia são os políticos
De acordo com o relatório O Estado Global da Democracia 2023, Portugal apresenta bastantes debilidades ao nível da representação e participação política, o que nos levou a cair 13 lugares no ranking que avalia a qualidade da democracia.
No que toca à perceção da corrupção, o relatório da Transparency International coloca Portugal como um dos países da Europa com falhas ao nível da integridade na política. Em 2023, e segundo uma sondagem da Aximage, os portugueses não estavam satisfeitos com o estado da democracia e das instituições que garantem o seu funcionamento, nomeadamente Governo e Assembleia da República.
Todos estes dados são sintomas da doença de que a nossa democracia padece e que, com apenas 50 anos, está num estado de morbidez preocupante. E este não é um problema de raiz social. A descredibilização da democracia e das suas instituições não acontece porque as pessoas não gostam ou não se interessam pela política. É exatamente o inverso. As pessoas não gostam de política porque não confiam nos seus representantes. A descredibilização da democracia é um problema político, gerado no seio dos partidos e na forma como estes encaram e manipulam a política.
Desengane-se quem acha que o Chega é um fenómeno (de origem) social, não é. Não somos um país predominantemente xenófobo e fascista, como alguns partidos dos extremos querem fazer crer para fazer passar a sua mensagem. O Chega é o resultado de uma zanga partidária e de alguém que, com esperteza e sagacidade, pegou em toda a insatisfação popular para com as falhas do sistema e fez disso bandeira. O discurso ignominioso do Chega tem como ponto de partida problemas reais dos portugueses. E importa perceber que os votos no Chega não têm correlação direta com o número de xenófobos ou fascistas que há em Portugal, são sim votos de revolta por um sistema que, em vez de corrigir, é gerador de injustiças sociais.
Os votos do Chega são, na sua maioria, votos contra os partidos do sistema, os mesmos que desprestigiam, desrespeitam e ameaçam as instituições democráticas em prol dos interesses partidários. Cada vez que um partido escolhe como candidato uma pessoa sobre quem recaem suspeitas de corrupção está a desprestigiar a democracia. Cada vez que um partido aceita como prática dos deputados o fornecimento de moradas falsas para receber um subsídio de deslocação que não merece, está a atentar contra a democracia. Cada vez que um partido escolhe, para deputado da Assembleia da República - AR, um assumido candidato à Câmara, para este fazer da AR palco de campanha autárquica, está a desrespeitar a democracia.
Este tipo de comportamentos é mais pernicioso para a democracia do que as propostas estapafúrdias do Chega. O sistema está preparado para combater e travar políticas que atentem contra os direitos fundamentais e civis, mas não consegue evitar comportamentos que, dentro da lei, descredibilizam a democracia por serem ética e moralmente condenáveis.
Nesta campanha eleitoral, com cheirinhos de debates e bebedeiras de comentários, ainda não ouvi ainda nenhum partido do arco da governação (ou fora dele) a apontar a reestruturação do sistema político como prioridade, através de uma revisão Constitucional séria (e que não se resuma a discutir substantivos) com novas formas de representatividade e participação cívica. Em vez disso usam o Chega como ameaça, continuando a ignorar o elefante na sala: a ameaça são eles.