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Vitória SC: quando a herança já não chega como desculpa

Pedro Carvalho
Opinião \ quarta-feira, setembro 10, 2025
© Direitos reservados
A recente declaração de António Miguel Cardoso — “se o Vitória não ficar em 5.º lugar, eu saio” — é desestabilizadora, não revela coragem nem sentido de responsabilidade.

O Vitória Sport Clube vive um momento crítico. António Miguel Cardoso, presidente desde março de 2022, tem procurado justificar o rumo da sua gestão através de dois argumentos recorrentes: os “sucessos desportivos” e a “herança pesada” em termos financeiros. Essa retórica, repetida até à exaustão, pretende escudar decisões e resultados. Porém, a realidade mostra um contraste demasiado evidente entre discurso e factos.

É certo que o Vitória garantiu presença regular nas competições europeias e registou, na última época, um desempenho excelente na Liga Conferência. Mas importa esclarecer a questão dos apuramentos europeus: a criação da Liga Conferência, pela UEFA em 2021/22, abriu novas vagas para mais clubes participarem em competições europeias, permitindo que o 6.º lugar, tantas vezes ocupado pelo Vitória no passado, passasse a valer, dependendo do ranking de Portugal, o acesso a uma prova da UEFA. O mérito desportivo da atual Direção não pode, por isso, ser confundido com um real salto qualitativo que não se verifica e que, no presente, até se agrava, por força de uma política errática e autofágica geradora de uma perda de competitividade e de uma redução do valor do plantel, quer em termos desportivos, quer financeiros.

Convém ainda, por uma questão de honestidade intelectual, recordar que, na época em que António Miguel Cardoso assumiu funções, o clube disputou, num campeonato com 39 jogos, apenas 9 jogos sob a sua presidência. A classificação final desse ano e o apuramento europeu dificilmente pode ser apontada como fruto do seu trabalho.

Mais preocupante do que o discurso e desempenho desportivo é a realidade financeira, a qual, de facto, quando António Miguel Cardoso tomou posse pela primeira vez, era má, com elevado passivo e problemas de tesouraria. Mas desde essa altura, ou seja, desde 2022, o Vitória encaixou, entre outras receitas, mais de 100 milhões de euros em vendas de jogadores e compensações diversas. Nomes como André Almeida, Bamba, Dani Silva, André Amaro, Mangas, Alberto Costa, Manu, Jota Silva ou Händel (entre outros) deixaram o clube, alguns por milhões, outros por valores residuais.

Apesar dessas receitas, o passivo, que era elevado, não diminuiu, antes aumentou. De 46 milhões em 2022 (à data do início mandato) passou para 67 milhões em 2024, com um prejuízo de 14,7 milhões no último exercício. Pior: o valor de mercado do plantel terá caído nesta época desportiva cerca de 74 milhões. A estratégia seguida compromete resultados desportivos e receitas futuras, vendendo talento em baixa e sem substitutos à altura. A que acresce uma instabilidade ao nível das equipas técnicas, com despedimentos de inúmeros treinadores, com indemnizações milionárias a serem pagas.

O Vitória vive, por não haver um projeto desportivo e financeiro, de venda em venda, num ciclo curto e desgastante. Em vez de consolidar contas e reforçar a competitividade. E para justificar essa política a Direção limita-se a prolongar ad nauseam a narrativa da “herança difícil” e da “antecipação das receitas dos direitos televisivos”, como se essa desculpa bastasse para justificar todos os seus erros e a incapacidade de governar um clube com a exigência e dimensão do Vitória e de o recuperar financeiramente, projetando-o no futuro. Nenhuma solução financeira preconizada por esta Direção vingou, nomeadamente a alienação de parte das ações SAD à V Sports, parceira que nunca o chegou a ser. Em consequência a situação financeira do clube agravou-se e irá continuar a agravar-se se nada mudar.

A recente declaração de António Miguel Cardoso — “se o Vitória não ficar em 5.º lugar, eu saio” — é desestabilizadora, não revela coragem nem sentido de responsabilidade. Pelo contrário: soa a um plano de fuga, deixando em aberto a hipótese de abandonar o barco precisamente no momento em que a crise financeira e desportiva pode agravar-se ainda mais.

O Vitória precisa de mais do que retórica: precisa de liderança com visão, estratégia e responsabilidade, o que não existiu até ao presente momento. Hoje, os factos mostram um clube mais endividado, com um plantel desvalorizado e um futuro incerto. O tempo das desculpas já terminou. O que falta é um verdadeiro projeto que devolva ambição e estabilidade a um clube que não pode viver eternamente entre o discurso e a realidade.

António Cardoso ainda não percebeu isso e insiste apenas, na expetativa de continuar a assegurar a ilusão, na retórica vinda de descrever, sendo a novel campanha de branqueamento lançada ontem no jornal O Jogo, com ressonância na imprensa local e redes sociais, mais um exemplo da mesma, em que esta Direção volta a prometer a recuperação financeira e a aposta na formação e a redução da massa salarial. Os que tiverem memória sabem que isso mesmo já foi prometido em 2022. E sabem que a promessa não foi cumprida. Sabem que a recuperação financeira não ocorreu, a aposta na formação foi pontual e que os tetos salarias foram apenas uma desculpa para afastar jogadores nucleares, tanto na altura como agora. Que o diga o Tiago. E atentem na compra dos direitos económicos do Beni Mukendi e o do André Silva, que não só não representam uma aposta na formação, como importaram, ao arrepio do prometido, um investimento irracional e brutal (para a nossa realidade financeira) de 3 e 4 milhões de euros respetivamente, e cujos salários ultrapassaram em muito o dito “teto”, sendo mesmo, no caso do André Silva, o jogador mais bem pago de sempre do Vitória, auferindo mais de 500 mil euros por ano e que, no final, foi “vendido”, por esta Direção, por um valor inferior ao da sua aquisição, com consequente menos valias.

É tempo de António Miguel Cardoso refletir e perceber se é solução ou não, se tem capacidade para definir e executar um verdadeiro projeto que devolva ambição e estabilidade a um clube que não pode viver eternamente entre o discurso e a realidade, como tem sucedido até aqui nos seus mandatos. Tem toda a legitimidade para continuar, foi eleito recentemente por uma maioria esmagadora dos sócios. Mas essa legitimidade só se manterá se for acompanhada de resultados tangíveis, de uma estratégia sólida que recupere financeiramente o clube e o projete para o futuro. Caso contrário, António Miguel Cardoso não será a solução que prometeu, e ficará associado não a um “Mais Vitória”, mas sim a um inevitável “Menos Vitória”.

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