Uma nova estratégia para a área da saúde
Com a entrada em funções de um novo governo, existe a esperança renovada de que a política de saúde se torne mais adequada e eficaz para a população em geral e para os profissionais de saúde. Que o clima de contestação elevadíssimo dos últimos tempos baixe de tom e que todos se concentrem num melhor funcionamento dos serviços, com consequente melhoria dos cuidados assistenciais.
Para isso, muitas medidas são necessárias, tal o estado degradado a que deixaram chegar o Serviço Nacional de Saúde (SNS). Medidas urgentes, não há qualquer dúvida. Profissionais desanimados, instalações deterioradas, ausência de flexibilização de horários, recursos humanos reduzidos e mal geridos, administrações incompetentes, de tudo um pouco se encontra no SNS actual. Essencialmente porque, por incompetência politica, de forma atempada não foram corrigidas ou mesmo antecipadas as medidas que agora, em catadupa, há necessidade de tomar, para ver se se salva uma estrutura carente que é o SNS, que neste momento se encontra em estado de coma. Como, convém referir, não há memória de ter estado. Serviços de Urgência fechados, listas de espera enormes para consultas de especialidade e cirurgias, instalações sem condições de dignidade e conforto por falta de actualização e manutenção, desactualização tecnológica, inédito êxodo de profissionais do sistema público descontentes com a sua situação, emigração em números nunca vistos dos profissionais de saúde, número impensável de cidadãos sem médico de família, camas de retaguarda insuficientes em grande escala.
Corrigir isto tudo irá ser uma grande tarefa. Enorme! Exequível? Veremos! Uma coisa é certa: só com o empenho de todos, um fortíssimo investimento financeiro e secundarização de estigmas ideológicos em prol da procura das melhores soluções se encontrará o caminho certo. E esse será o verdadeiro carácter social da política de saúde, proporcionando aos cidadãos uma forma igual em termos de acessibilidade e condições de tratamento, com a necessária humanização tantas vezes secundarizada.
Os políticos, muitas vezes, obcecados por ideologias que os cegam, esquecem-se que um doente é um ser humano fragilizado, que mais do que nunca precisa da ajuda de outrem, momento onde a protecção estatal desempenha um papel importantíssimo. E quando se fala nessa protecção, para além dos centros de saúde e hospitais, está-se a falar também de investimento imprescindível na terceira idade, com formalização do estatuto dos cuidadores, criação de muitas mais Unidades de Cuidados Continuados e ainda de Cuidados Paliativos, uma vez que as habitações do quotidiano na generalidade não têm condições adaptadas para acolher um indivíduo dependente como são muitos idosos, na sua maior parte com várias comorbilidades que geram graus de incapacidade e dependência variáveis. Infelizmente cometeram-se muitos erros ao longo dos últimos anos, dos quais um dos principais foi a intromissão da política (no que de mal esta tem) na área da saúde (ideologia perversa sobrepondo-se aos interesses dos cidadãos, clientelismo partidário, cegueira obsessiva perante factos evidentes). É o momento de virar a página!
Com uma “estratégia de choque” como se tem ouvido dizer? Os choques podem fazer com que uns quantos fiquem “electrocutados”, sejam os promotores ou os alvos, o que não seria desejável. A contribuição alargada dos protagonistas que estão “no terreno” afigura-se imprescindível. Uma estratégia assertiva, mas claramente explicada, com simultânea correcção de injustiças e assimetrias evidentes, poderá de forma muito marcante ser a pedra de toque para a recuperação que todos desejam e se impõe. Para isso, é necessária sensibilidade, competência, integridade, entusiasmo e capacidade de decisão. Afinal, o que a maioria dos cidadãos certamente deseja.
Prof. Dr. José Cotter
(Director do Serviço de Gastrenterologia do Hospital da Senhora da Oliveira – Guimarães)
* Texto escrito segundo o antigo Acordo Ortográfico