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Tudo diferente, tudo igual...

Filipe Fontes
Opinião \ quarta-feira, agosto 07, 2024
© Direitos reservados
A cidade adormece e emigra em direcção ao mar, enquanto a sua diáspora regressa temporariamente para reduzir a saudade a expressão insignificante.

Embora a tendência esteja a alterar-se e a generalizar-se o usufruto de férias para lá do mês de agosto, ainda é consensual e evidente que este mesmo mês é aquele de maior incidência para o descanso, lazer e estio, numa conjugação de factores a que nos habituamos a chamar “férias”.

A sensação que se globaliza é que, também aqui (em algo que o Tempo solidificou e, de alguma forma, perenizou) a mudança chegou e “veio para ficar e produzir efeitos”. Dir-se-á sinal dos tempos, dir-se-á sucessão e ruptura de hábitos e modos, mas que, na verdade, não modifica a essência e a centralidade “das coisas”. Seja em que mês for, onde e como, férias serão sempre (por definição e prática) tempo de ócio e dessecando, ausência de trabalho e bem societal. Poderão ser em maior ou menor quantidade e qualidade, mas sempre tempo diferente do “nosso quotidiano”.

Afinal, nada diferente do mundo que habitámos, do país que nos acolhe e da cidade que nos suporta dia após dia.

Olhamos para o mundo e descobrimos a especificidade do momento, assustados com as guerras tão singulares como nunca vividas na sua falta de “solução e fim”; preocupamo-nos com a economia e o ambiente em associação com a actuação (e suas consequências) de determinadas nações; atemorizamo-nos com processos eleitorais determinantes para a ordem mundial e ficamos perplexos com o risco exposto de possíveis “tão fracos eleitos” ou com a desfaçatez de outros na recusa da escolha dos povos; encantam-nos grandes eventos e a capacidade criativa, inclusiva e de realização que revelam; espanta-nos a contínua evolução e inovação tecnológica, a produção e qualidade cultural, a afirmação de direitos e tanto mais, para, depois, se verificar que tudo isto, “noutro tempo e roupagem”, já ocorreu e que as questões centrais de todos nós – enquanto indivíduos e comunidade – se mantêm: o nosso acerto e desacerto que tanto gera a guerra como o amor, a abundância como a fome, a paz como o conflito, a ignorância como o conhecimento, a ganância como a partilha, a corrupção como a honra.

No país, vocifera-se a arrogância ora de quem governa, ora de quem contrapõe; desespera-se perante a demora na concretização, rentabilização e financiamento de investimentos e teme-se pela perda e prejuízo; lamenta-se a degradação dos serviços públicos (ainda mais) essenciais e buscam-se soluções diferentes e divergentes; reclama-se a valorização da pessoa, da associação, do profissional e repete-se o fado das dificuldades habitacionais, entre tanto mais… e concluiu-se que, afinal, quem contesta, já governou, quem governa, já protestou, o que parecia “perdido e impossível”, o país soube contrariar e concretizar, o que merece ser reformado é uma constante e tudo se reduz a um “vamos indo, nunca pior…”.

E na cidade que nos acolhe e estrutura, acomoda-se um “ser e estar” não muito distintivo na essência das coisas: a cidade adormece e emigra em direcção ao mar, enquanto a sua diáspora regressa temporariamente para reduzir a saudade a expressão insignificante; a festa toma conta do espaço público e comemora-se o santo gualteriano na sua dimensão cristã e pagã; o comércio persiste, os equipamentos colectivos e património cultural insistem-se abertos e disponíveis, as ruas preenchem-se daqueles chamados turistas ou visitantes, o solo toma conta da calçada pétrea e a comunidade política prepara os desafios que se avizinham, produzindo novos actores e cenários, (talvez) repetindo velhos processos e modelos.

Ou seja, tudo tão especificamente diferente e singular, tudo tão generalizadamente igual e cíclico.

Ortega Y Gasset escreveu “Eu sou eu e minha circunstância, e se não a salvo a ela, não me salvo a mim”… palavras sábias que a escrita perenizou e a sua leitura nos interpela: viver o momento, agindo e reagindo perante a sua especificidade, nunca esquecendo a essência do que somos, do direito que temos à justiça, ao amor, à comunhão, à justa medida dos bens e do trabalho, do esforço e do bem-estar, do dever que nos torna todos iguais na luta para nos aproximarmos (todos, sem excepção) desse direito! E do seu usufruto em liberdade e harmonia.

Que as férias sejam exemplo de tal! E que o regresso ao quotidiano seja pleno nesse exercício de igualdade e harmonia!

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