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SNS – a asfixia provocada pelo poder central

Prof. Dr. José Cotter
Opinião \ sábado, fevereiro 24, 2024
© Direitos reservados
Fuga de profissionais, desalento dos que ainda resistem, eminente deficiência na formação pós-graduada. Tudo isto desembocando numa questão crucial: onde e quem nos vai tratar um dia?

É do conhecimento de todos que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) atingiu nos últimos tempos o seu estado mais degradado de sempre. Por um conjunto de razões a que é sempre comum um denominador que está relacionado com a incompetência de quem centralmente nos governa. Ou porque não têm estratégia, ou porque não têm coragem política para fazer reformas que todos entendem ser necessárias, ou mais simplesmente porque são incompetentes e/ou incapazes.

Para quem trabalha no SNS, essas insuficiências são sentidas a vários níveis, sabendo-se que inevitavelmente, em última instância, se vão repercutir sobre a qualidade dos cuidados prestados aos cidadãos. Nos hospitais há dificuldades várias, a maior parte das vezes difíceis de ultrapassar pelos seus Conselhos de Administração (CA). E porquê? Importa lembrar que estes são nomeados pelo poder central, desde há alguns anos muito mais por razões de confiança política do que por meritocracia. Este foi, como facilmente se compreenderá, um princípio que colidiu com a competência que deveria presidir a quem dirige. Mas é assim que vivemos e pelos vistos teremos de continuar a viver nos tempos mais próximos, enquanto a politização na saúde imperar. Deveremos reconhecer, contudo, que os elementos dos CA, na maior parte dos casos se esforçam por resolver os problemas, mas raramente bem-sucedidos, muitas vezes desautorizados, sem autonomia nenhuma ao contrário do que vem sendo propalado, completamente dependentes da tutela para homologar as decisões mais banais. Tutela essa desconhecendo efetivamente as realidades e verdadeiras necessidades locais, movendo-se em função de lobbies e interesses que servem apenas os seus protagonistas, mas não necessariamente os cidadãos. Assim sendo, a disponibilidade para pertencer a um CA, transforma alguns que o aceitam em elementos que ficam assim agrupados em “bandas de filantropos” (os Conselhos de Administração), com um conjunto de boas intenções, mas incapazes de as executar devido aos constantes impedimentos e vetos de bolso perpetrados pelos diferentes governos, que ao não autonomizarem (e simultaneamente responsabilizarem) as administrações locais, apenas demonstram que não só não confiam em quem eles próprios nomearam ao mesmo tempo que demonstram fazer questão de manter o verdadeiro poder.

Pessoalmente, admiro nomeadamente os médicos bem intencionados que se envolvem nessas funções administrativas de governação de estruturas de saúde, que lhes absorve o tempo, lhes traz canseiras e incompreensões, e que mais grave ainda, os afasta (por falta de tempo disponível) das funções clínicas para as quais se formaram e nas quais investiram, ficando irrecuperavelmente desatualizados tendo em atenção a evolução vertiginosa da medicina moderna (clínica e técnica) que obriga a um esforço de atualização continuo. Admiro muitos desses meus colegas de profissão, alguns que são profissionais de sucesso, que eivados de boas intenções se deixam envolver por essas funções e um dia, cansados de causas perdidas, tentam regressar cientificamente obsoletos à atividade clínica, a maior parte das vezes em vão, após se aperceberem que o seu tempo científico inexoravelmente já passou.

É esta tristemente a nossa realidade na área da saúde. Governos incompetentes, políticos incapazes, centralismo asfixiante, cuidados públicos de saúde em deterioração acelerada, ausência total de estratégia e de pragmatismo, politização do sistema de saúde (que deveria ser resistente a tal), fuga de profissionais, desalento dos que ainda resistem, eminente deficiência na formação pós-graduada. Tudo isto desembocando numa questão crucial: onde e quem nos vai tratar um dia?

JOSÉ COTTER, PROF. DR.

(Diretor do Serviço de Gastrenterologia do Hospital da Senhora da Oliveira – Guimarães)

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