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Sabroso: quebrar o ciclo

Gonçalo Cruz
Opinião \ quarta-feira, fevereiro 02, 2022
© Direitos reservados
A intervenção iniciada há um par de semanas no Castro de Sabroso resulta de um misto de iniciativa coletiva e de vontade política. Que não seja mais um bom momento de um ciclo de avanços e recuos.

Antes de Francisco Martins Sarmento ter iniciado os seus trabalhos de escavação do Castro de Sabroso, em Setembro de 1877, pouco se devia ver no local do antigo povoado. Muito antes, no texto da memória paroquial de São Lourenço de Sande (1758), o pároco Miguel de Abreu Pereira fala-nos que "pelo Nascente, está um monte chamado de Sabroso, de onde se tira muita pedra para obras de casas, por ser boa". Daqui se infere que, pese embora a boa qualidade da pedra, quiçá granito aparelhado das antigas muralhas e casas, não havia uma consciência geral de que Sabroso tinha sido um antigo local fortificado.

Se assim fosse, o pároco tê-lo-ia declarado neste inquérito de 1758, na questão em que claramente se pergunta se existe na freguesia fortaleza ou muralha. Podemos também daqui retirar que, quer o desmonte de estruturas antigas para aproveitar a pedra, quer a extração de granito do monte de Sabroso, devem ter sido uma constante ao longo dos séculos. Falamos de um povoado que já estaria desabitado no século I.

De facto, apesar de alguns elementos visíveis e achados de superfície que o foram orientando, Sarmento desenterrou os vestígios do castro a partir do nada, revelando a quem por lá passava, incluindo estudiosos amigos, jornalistas e populares, a monumentalidade da muralha e o impressionante aparelho granítico das casas, algumas com elementos de adorno, denunciando a arte dos seus antigos ocupantes. Foram, portanto, os trabalhos de Sarmento, em 1877 e 1878, que trouxeram à luz o Castro de Sabroso, o que conduziria à classificação das ruínas em 1910.

Esta classificação não garantiria nenhuma proteção ao monumento, que foi espoliado nas primeiras décadas do século XX, particularmente no ano de 1919. Destruiu-se uma parte da primeira muralha para aceder ao interior do castro com os carros de bois, e foram-se desmontando as antigas construções, a muralha, cortados os penedos, alguns com gravuras rupestres, e carregada a pedra nos carros ("uns quarenta", na informação de Mário Cardozo). A própria rocha onde se encontrava o marco geodésico foi também destruída.

A situação inverteu-se na década de 1920, quando o Município de Guimarães entregou Sabroso ao cuidado da Sociedade Martins Sarmento. Colocaram-se os marcos de limite da propriedade municipal do castro, começou a assegurar-se uma manutenção mais regular da vegetação, fez-se a estrada municipal que ainda hoje dá acesso ao monumento, culminando com a campanha de 1958, com arqueólogos da Universidade de Oxford.

Depois disto, e a partir do início da década de 1960, a infestação progressiva dos terrenos pela mimosa abriria novo capítulo negro na história do Castro de Sabroso, apesar dos esforços inglórios da SMS, que ali promoveu limpezas e escavações em 1981.

Não falamos apenas da insustentabilidade da manutenção da vegetação infestante, que conduziu a um estado de aparente abandono. Como dizia Mário Cardozo, em 1950, "pior do que isso, infelizmente, foi sempre a ação destruidora do homem.". Não foram já os escopros e os picos dos pedreiros, mas sim as máquinas retroescavadoras e giratórias a dar seguimento à destruição do Castro de Sabroso, a partir dos finais da década de 1990. Terraplenagens, desaterros, abertura de acessos para maquinaria, em suma, destruições, documentadas em 2004, 2007, 2009 e 2013, alternadas com incêndios ocasionais, marcaram os últimos anos. Claro que tudo isto foi acompanhado de denúncias, processos, multas tomadas de posição, que, enfim, não evitaram as depredações, mas sensibilizaram para as ações encetadas a partir de 2013.

A intervenção iniciada há um par de semanas no Castro de Sabroso resulta de um misto de iniciativa coletiva e de vontade política. Quando, a partir do próximo verão, se puder circular pela área visitável que será criada, as cicatrizes das destruições aqui referidas estarão bem visíveis, testemunhando o que se perdeu e o que ainda se pode salvar. Esperemos que não seja mais um bom momento de um ciclo de avanços e recuos, mas sim que as ruínas possam continuar a impressionar as gerações vindouras e a guardar a memória desses "mouros", que em tempos observavam o vale a partir de Sabroso. Quebrar este ciclo passa por não deixarmos esquecer este local.

 

Casas castrejas junto ao interior da muralha de Sabroso

Casas castrejas junto ao interior da muralha de Sabroso

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