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Que ninguém toque no meu copo!

Gonçalo Cruz
Opinião \ quarta-feira, janeiro 04, 2023
© Direitos reservados
A escrita era, acima de tudo, sinónimo de estatuto social, de sofisticação e de romanidade, num meio em que poucos compreenderiam o significado das letras.

A propósito da quadra festiva, apresentamos aqui uma peça cerâmica que terá sido utilizada, precisamente, num contexto festivo. Pequeno vaso acampanado, a que tipologicamente chamamos potinho, apareceu esta peça, quase inteira, nas escavações de 1877, na Citânia de Briteiros. Além do seu cuidado acabamento e elegância, não mostra este copo sinais de decoração, além de um cruciforme no fundo. Porém, debaixo do bordo, na parede exterior, vêem-se grafitadas umas letras, que chamaram a atenção do sempre atento Sarmento. "Como o copo é de certo de beber, é de certo à bebida que se refere a legenda; mas não tenho aqui diccionario grego que me oriente, ou desoriente", comentou então, nas suas notas*, depois de lhe ter parecido avistar algures uma letra grega no pequeno grafito.

Muitos anos depois, o olhar igualmente atento de Armando Redentor veio, finalmente, orientar-nos quanto a esta minúscula epígrafe latina, gravada após o fabrico da peça, que parece ser uma marca de posse. Ali se lê AL'VCQVI, "de Alúquio", identificando assim o proprietário do célebre copo, que exibia um nome pouco vulgar na zona, mas já anteriormente registado**. Este tipo de vasos acampanados foi produzido e utilizado nos dois últimos séculos da nossa Era. No entanto, a presença desta marca alfabética denuncia uma cronologia mais perto da transição da Era, ou mesmo já do século I.

Alguém marcar o seu nome num recipiente para beber – não existindo então cadeias de fast food a escreverem o nome do cliente – pode entender-se como pessoa ciosa da bebida e da higiene durante uma festa ou um banquete, como sugerimos no título desta pequena nota. Não nos podemos esquecer, contudo, que na época em que este recipiente foi utilizado, a escrita era, acima de tudo, sinónimo de estatuto social, de sofisticação e de romanidade, num meio em que poucos compreenderiam o significado das letras. É neste contexto que certas individualidades começaram a gravar o seu nome sobre a porta de casa, ou no pátio da mesma. Assim também em recipientes muito possivelmente usados em eventos públicos. Era chique.

Além do que foi dito, esta forma de potinho, talvez pela sua elegância e pela sua utilização no consumo de bebidas – quando o que servia para beber, serviria também para fazer libações – aparece por vezes associado a contextos funerários ou, pelo menos, a algumas aparentes deposições rituais. Temos, portanto, louça fina. E, dos pequenos pormenores, mais vamos sabendo sobre a convivialidade dos nossos antigos. Bom ano!

* Do diário de campo, 17 de Agosto de 1877. Transcrito na Revista de Guimarães, vol. 22, 1905, páginas 21-22.

** Informação de Armando Redentor, "A Cultura Epigráfica no Conventus Bracaraugustanus", Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 2011, página 180.

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