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Quando acaba o modo de emergência?

Pedro Ferreira
Opinião \ sexta-feira, julho 18, 2025
© Direitos reservados
A verdade incontornável é que o SNS continua refém de problemas antigos. Falta planeamento estratégico, falta estabilidade na gestão.

Ao longo dos últimos anos, o setor da saúde tem sido, reiteradamente, um dos maiores desafios da governação em Portugal. O Serviço Nacional de Saúde (SNS) atravessa, uma vez mais, um período de tensão e incerteza que já não causa surpresa, mas sim conformismo. Desde que, na anterior legislatura, a ministra Ana Paula Martins assumiu o Ministério da Saúde, foram feitas inúmeras promessas em nome da emergência e da transformação, mas a perceção geral entre profissionais e utentes continua a ser a de um sistema à beira da rutura.

A ministra iniciou funções com um discurso firme e uma agenda ambiciosa, procurando reposicionar o Estado como empregador atrativo e apostando num plano de emergência que pretendia reorganizar serviços, reforçar equipas e dar resposta aos problemas mais visíveis. Contudo, a realidade revelou-se menos alinhada com as promessas políticas. Apesar de alguns avanços pontuais, como a assinatura de acordos salariais e pequenas melhorias no acesso em certos pontos do país, o essencial permanece inalterado: faltam médicos de família a mais de um milhão e meio de portugueses, há urgências sistematicamente sobrelotadas ou encerradas, e a saída de profissionais para o setor privado ou para o estrangeiro continua.

A contestação das ordens profissionais, o mal-estar nos hospitais e a desconfiança crescente entre quem governa e quem executa demonstram que a estratégia tem falhado naquilo que mais importa: devolver a confiança aos que cuidam e aos que precisam de cuidados. O SNS, na forma em que hoje existe, não está apenas fragilizado, está esgotado.

A realidade do SNS, atualmente, é marcada por uma degradação dos serviços de urgência. Encerramentos constantes em várias unidades hospitalares, sobretudo nas áreas da obstetrícia e da pediatria. Há dias em que as grávidas são obrigadas a percorrer quilómetros para encontrar uma maternidade aberta, um efeito direto da má gestão e da falta de planeamento estrutural do sistema. Muitas vezes, a gestão política chega tarde, ou simplesmente não chega.

A ministra Ana Paula Martins não é alheia a esta crise. Herdou-a, em parte. Contudo, também já teve tempo para responder com mais firmeza. Reconhecer que o sistema está "muito longe do necessário", como afirmou, é um início, mas não é suficiente. Mais do que constatações, são precisas soluções. E os profissionais, que diariamente tentam manter os serviços de urgência a funcionar em condições limite, esperam liderança, proteção e condições de trabalho dignas.

Desde abril de 2024, altura em que Ana Paula Martins assumiu o Ministério da saúde, o SNS tem sido palco de uma gestão controversa, marcada por demissões expectáveis, nomeações altamente questionáveis e decisões que nem sempre se traduzem em melhorias concretas para os utentes. A demissão de Fernando Araújo como diretor executivo do SNS foi aceite logo após a sua entrada em funções, abrindo um ciclo que se agravou com a nomeação de Gandra d’Almeida, que viria a demitir-se após acumulação indevida de funções. A ministra alegou desconhecimento. Mas como é possível nomear alguém para um cargo desta relevância sem o devido escrutínio? Não é apenas irresponsável, é amadorismo. Mais grave do que a nomeação em si, é o que ela representa: uma forma de estar na política onde ninguém responde por nada, onde tudo é culpa do passado e tudo é adiado em nome da complexidade.

Seguiram-se mais demissões: o diretor clínico de Viseu, a diretora de obstetrícia do Garcia de Orta, em Almada, dez cirurgiões no Amadora‑Sintra, e a queda da administração dessa Unidade de Saúde Local (ULS). À data em que escrevo este artigo, outras situações semelhantes já terão ocorrido.

Ainda assim, há méritos a reconhecer. A ministra mostrou abertura ao diálogo com os sindicatos, recuperou o debate sobre as parcerias público-privadas sem preconceitos ideológicos e promoveu investimentos em equipamentos, através dos fundos do PRR. Aumentaram as respostas em cuidados continuados e foram contratados mais de mil profissionais no último ano. Tudo isto é positivo. Contudo, continua a ser insuficiente.

A verdade incontornável é que o SNS continua refém de problemas antigos. Falta planeamento estratégico, falta estabilidade na gestão. Continuam a gerir a saúde em modo reativo, condicionados pela urgência e pela pressão mediática. E isso não se resolve apenas com mais investimento, é necessária visão, liderança e coragem para enfrentar os interesses instalados e os bloqueios administrativos.

A primeira grande urgência da saúde em Portugal é, justamente, política. Precisamos de líderes capazes de tomar decisões com base na evidência, e não em ciclos mediáticos. É imperativo colocar os utentes no centro da política pública e não os interesses pessoais ou partidários. A lógica reativa tem de dar lugar a uma lógica preventiva, com planeamento sério, objetivos claros e gestão rigorosa. A saúde não pode continuar a ser gerida em modo de emergência permanente.

Para isso, há que valorizar quem está dentro do sistema. Nenhuma reforma terá sucesso se não começar pelos profissionais. Isso significa melhores salários, estabilidade de carreira e progressão por mérito. A criação de incentivos concretos para a fixação de médicos e enfermeiros em zonas carenciadas, mais do que necessária, é urgente.

É fundamental dar mais autonomia aos hospitais e centros de saúde. Estes devem ter capacidade de decidir e agir com base nas realidades locais. A desigualdade no acesso à saúde é uma injustiça social que o Estado tem obrigação moral e constitucional de combater.

Também é tempo de abandonar tabus ideológicos. A colaboração com o setor social e privado, quando bem regulada, fiscalizada e transparente, não representa um risco ao SNS, representa uma oportunidade. Quando milhares de portugueses esperam meses por cirurgias ou exames, não é ideológico querer que o Estado procure respostas externas. É sensato e responsável. Reativar parcerias público-privadas (PPPs) e estabelecer acordos com hospitais privados é um caminho que deve ser analisado e considerado de forma séria.

O SNS é demasiado importante para ser deixado à deriva entre promessas e desculpas. O que falta não é diagnóstico, é decisão. Uma decisão política clara: reformar com seriedade e responsabilidade, gerir com competência e visão de futuro, e devolver dignidade aos cuidados prestados. Os portugueses merecem uma resposta à altura da confiança que depositaram no Governo.

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