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Prolongamento desastroso

José Cunha
Opinião \ sábado, abril 24, 2021
© Direitos reservados
Este prolongamento, não sendo no futebol, não vai ficar registado na história nem será lembrado em conversas de café, mas podem crer que ficará bem marcado no território.

Correndo o risco de uma boa parte dos leitores se ficar por este primeiro parágrafo, devo alertar que este artigo não é sobre futebol, e não envolve um desfecho infeliz para o Vitória de Guimarães nos trinta minutos de jogo extra a que chamam de prolongamento.

O jogo deste prolongamento é outro, é o jogo da política e dos interesses imobiliários. E apesar deste tempo extra ter sido bem mais extenso e gravoso, não mereceu o interesse dos vimaranenses.

Refiro-me ao prolongamento da conclusão da primeira revisão do Plano Diretor Municipal de Guimarães (PDM-G), mais precisamente ao tempo que decorreu entre o fim do período da discussão pública e a publicação do PDM-G em Diário da República.

O Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial prevê medidas cautelares para assegurar que os objetivos dos PDM´s que configurem alterações da classificação do uso e ocupação do solo não sejam pervertidos aquando da sua divulgação para discussão pública. Durante 150 dias essas alterações ficam protegidas pela obrigatoriedade dos projetos se conformarem com ambos os PDM`s, o novo (revisto) e o que está em vigor. Mas, terminado esse período volta a ser o antigo (atual) PDM o único a vigorar, permitindo que os solos que foram sujeitos a alterações tenham os anteriores usos e ocupações, sendo por isso o objeto prioritário das pressões imobiliárias.

Entre o final das medidas cautelares e a entrada em vigor do novo PDM de Guimarães decorreram 3 anos e um “festim” de licenciamentos que constituem uma tragédia para o ordenamento do território com dimensão e repercussões desconhecidas, mas que a julgar pelas amostras serão certamente desastrosas.

Um exemplo bem conhecido do desastre urbanístico que este prolongamento possibilitou é o do terreno para onde esteve prevista a instalação de uma fábrica de plásticos em Penselo. No entanto, não me irei focar nesse caso, mas num outro bem paradigmático da perversão dos objetivos do ordenamento do território.

Na revisão do PDM o Município entendeu alterar a classificação do solo de um terreno na encosta da Penha para o incluir na Reserva Ecológica Nacional (REN) devido ao risco de erosão. Em sede de discussão pública o proprietário solicita a reposição da capacidade construtiva, que lhe é negada alegando “o equilíbrio ecológico e paisagístico da unidade em que se insere”, que “são áreas que estão sujeitas à perda de solo, deslizamentos ou quebra de blocos”, e que “as construções aí presentes não deverão servir como um bom exemplo de ordenamento territorial uma vez que promovem a descaracterização da paisagem com forte exposição na cidade.”

No decurso do tal “prolongamento” foi possível licenciar não uma mas duas vivendas nesse terreno (ver foto), e tudo isso por opção política pois é por demais evidente que não faltavam argumentos técnicos a comprovar a falta de “integração urbana e paisagística” que permitia inviabilizar essas construções ao abrigo do artigo 11º do PDM-G de 1994.

Aquando da discussão pública da revisão do PDM-G os técnicos municipais recorreram com frequência à seguinte afirmação para justificar o parecer desfavorável às participações dos munícipes:

“Nos últimos anos, e fruto de outros modelos de crescimento, verificou-se uma ocupação territorial que se traduziu em diversas formas de agressão da paisagem e dos recursos naturais.”

O atropelo dos objetivos do PDM-G no caso atrás descrito salta (literalmente) à vista, mas existem muitos outros espalhados pelo concelho, num prolongamento desastroso do tal modelo de crescimento que agride a paisagem e os recursos naturais.

Este prolongamento, não sendo no futebol, não vai ficar registado na história nem será lembrado em conversas de café, mas podem crer que ficará bem marcado no território.

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