Porque te calas, Câmara Municipal de Guimarães?
No pretérito 8 de janeiro, no JN, o presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão, Dr. Mário Passos, dizia, pensando alto e falando claro: “Todos os anos os municípios portugueses são alvo de uma pressão mediática para baixarem os limites dos impostos diretos que cobram aos seus munícipes. Estamos a falar da fixação anual das taxas do imposto municipal sobre imóveis (IMI), que os municípios podem fixar, entre os 0,30% e os 0,45%, do IRS, entre os 0,00% e os 5,00%, e do IRC (derrama), que incide sobre os lucros das empresas, entre 0% e 1,5 %.” Percebe-se este desabafo público. Vivemos tempos em que, ao contrário da ANAFRE (incisiva e corajosa), a ANMP (Associação Nacional dos Municípios Portugueses) se ausentou do debate político, e, mais grave, vergou-se ao poder do Governo, ao poder do Terreiro do Paço. Os seus representados (os municípios) ficaram entregues a si próprios. Nunca, como agora, tal facto foi mais ostensivo e cristalino.
Adiante: as autarquias locais têm central dignidade constitucional, fixando, expressamente, a atual Constituição da República Portuguesa (CRP), no seu artigo 235.º, n.º 1, que “a organização democrática do Estado compreende a existência de autarquias locais.”
Atalhando, atento o objeto deste artigo ser a especificidade financeira: por sua vez, o artigo 238.º, n.º 2, da CRP, prescreve, no plano financeiro e tributário, o princípio sagrado: “O regime das finanças locais será estabelecido por lei e visará a justa repartição dos recursos públicos pelo Estado e pelas autarquias e a necessária correção de desigualdades entre autarquias do mesmo grau.” Fácil é de ver que a Constituição dá a ordem mas o Estado Central não obedece. É patente e notório, logo não carece de demonstração, que as autarquias ainda não atingiram a maioridade em termos de poder autossuficiente, logo soberano. Não obstante as atribuições e competências legalmente estabelecidas estarem no caminho certo, o envelope financeiro oblitera e trai a democrática missão das autarquias. De facto, atua de má-fé o Estado Central quando faz gala de atribuir poderes e competências e, em simultâneo, de forma consciente e deliberada, envia pelos CTT um envelope financeiro insuficiente, o qual fica retido no balcão dos correios do “Portugal dos Pequeninhos”. A prova cabal do agora avançado está na auditoria forense feita pelo Tribunal de Contas (relatório n.º 4/2023 – OAC – 2.ª secção), que, sem hesitações, decreta que o Governo, no processo de descentralização de competências para as autarquias (Lei 50/2018, de 16 de agosto), para além de falhar todos os prazos, não foi transparente e justo (censura-se a inexistência de uma fórmula de cálculo “estável e transparente” nas verbas que constituem o Fundo de Financiamento da Descentralização, o que “retirou transparência e estabilidade ao financiamento das competências transferidas”.
As autarquias locais, atenta esta conduta reincidente (rectius: permanente) do Estado Central, têm de levantar a voz, sem medos ou receios, fazendo-se ouvir, em defesa do superior interesse das suas populações e da qualidade substantiva do serviço público prestado. Aliás, quanto mais justo for o comportamento do Orçamento de Estado, menos precisamos de onerar os contribuintes das autarquias, com a grandeza máxima das taxas locais aplicadas em termos tributários. Dito isto em geral, cumpre perguntar à Câmara Municipal de Guimarães: qual a razão do nosso silêncio? Porque nos calamos, quando até reconhecemos que, pelo menos na educação, o nosso crédito face ao Estado (em termos de conta corrente da descentralização de competências) é de centenas de milhares de euros (que são financiados pelo orçamento municipal)?