Os Jogos, os Desportos e a Atividade Física (continuação)
O desporto e a atividade física neste espaço e tempo em que habitamos, continuando o jogo de sempre, é hodiernamente uma realidade democrática e mesmo de massas na cultura ocidental. A progressiva democratização do país, originada no 25 de abril de 1974, assim o exigia. Manuel Sérgio, um dos grandes pensadores do desporto em Portugal, no seu famoso livrinho – para uma renovação do desporto nacional (Moraes Editores, 1975) – propõe uma autonomização ministerial no governo de Portugal para destacar e acentuar a mais valia e relevância do mesmo na contemporaneidade. O Ministério dos Lazeres e Desportos (nas pp. 23 a 29 define a sua missão, as suas funções e as suas ligações). Na p. 10 desta pequena obra, quase um manifesto político-filosófico, Manuel Sérgio é taxativo: “Saltemos então em direção ao presente e indispensável se torna, antes dos métodos de execução material, referenciar a filosofia que fundamenta a ação, o projeto doutrinário que dê nítidas finalidades ao campo do político-legal-institucional. Morreram os tempos áureos do pragmatismo e do utilitarismo. Qualquer atuação política terá de ser a representação social duma visão do homem, da sociedade e da história, sob pena de cooperação com toda a sorte de oportunismo, de interesses criados, de ambiguidades reticentes…”. É claramente um texto datado, porém, as bases de uma filosofia do jogo em Portugal estão cá bem patentes – “desporto como elemento de democratização e que se cumprirá no tempo necessário a democratização do desporto” (p. 19).
No verão quente, o famoso PREC, Manuel Sérgio procura salvar o desporto das turbulências ideológicas, mas sem esquecer as suas implicações sociais, culturais e políticas. Pois o desporto e a atividade física, o jogo, não é um mero apêndice à humanidade como indivíduo e como coletividade. Desporto é para Manuel Sérgio “um meio de cultura física cujas finalidades residem nos domínios da educação, do lazer e do espetáculo” (p. 13). Portanto, e seguindo a melhor tradição e paideia, é proposto que a educação humana não dispense o desporto e a atividade física como enriquecimento orgânico e eficiência física, desenvolvendo os fatores percetivos de conduta, de execução e coordenação motora, mas igualmente o contributo, que se espera sempre positivo, no comportamento ético/moral e social no contexto vivencial de cada qual. Como atividade de lazer, não só como esforço físico sempre valorizado, mas igualmente a preocupação sanitária e higiénica, capaz de satisfazer as necessidades de comunicação, participação e expressão. Finalmente, sem o quer reduzir a minorias sobredotadas física e mentalmente, o desporto não deixa de ser um espetáculo que exalta certas qualidades humanas que nos desafiam à contemplação estética e agónica. Sempre denunciando o perigo que espreita o desporto que se deixa enveredar pela lógica do negócio, do narcisismo e da violência, ou de uma competição insana que promove o ódio e não o encontro humanizador dos praticantes e dos espetadores.
Manuel Sérgio tem um grande propósito, que linhas atrás já apresentamos em documentos sobretudo internacionais, a massificação do desporto e da atividade física. Não significa que ele seja contra a competição e aos que manifestam qualidades acima da média. Caso contrário, esta massificação permitirá a observação e a escolha/orientação dos mais capazes e mais bem-dotados para a competição e o espetáculo inerente a mesma. Ele apelida-os de desportos de elite. E, assim, cumpre os objetivos que o desporto e a atividade física devem promover entre os humanos, quer individual quer coletivamente. E no seu olhar, mesmo que marcado pela altura política em que vive e que hoje, em vez de salazarista-marcelista, pode e deve ser preenchido por outras realidades políticas, económico-financeiras, sociais, etc., deteta um dos males maiores do desporto em Portugal: “Residiu precisamente, na superestimulação do futebol alienante e numa religião conluída com o poder económico «salazarista-marcelista», duas das causas próximas da despolitização das massas, do seu conformismo e abulia” (p. 35). Ora esta superestimulação não cessou, com o famoso cancro dos três grandes do futebol português tudo gira em torno do futebol nas rádios, nos jornais e nas televisões, e mesmo nas redes sociais quando se fala de desporto é de futebol que se fala e deste maldito cancro nacional dos três grandes que mata o próprio futebol português. E sem uma religião em conluio com o poder político as massas continuam despolitizadas, conformadas e em profunda abulia – a famosa atitude portuguesa do deixa andar.
Mas para isso é estritamente necessário o “desporto de base – o desporto escolar” (p. 43). Que desporto escolar temos em Portugal? Umas aulinhas para cumprir calendário e mostrar aos outros que cumprimos uma exigência dos países modernos, ou, ao invés, um desporto escolar onde se procura desenvolver o corpo humano sanitária e higienicamente, bem como esteticamente, escolhendo posteriormente os melhores para a prática profissional do desporto e premiando-os com uma boa formação académica??? Portugal continua a ter um desporto escolar que não cumpre estes objetivos. Segundo Manuel Sérgio, e concordo plenamente, a massificação e a elitização desportiva não se opõem, mas cooperam para o bem do indivíduo e da sociedade. Ambos participam, com técnicos/professores e/ou treinadores bem formados e diplomados, para o caráter indispensável ao domínio do corpo e do meio, e ao controlo de si mesmo e a uma responsável integração social. Mas uma distinção se impõe: o professor educa e o treinador especializa. Hoje temos professores que são treinadores e treinadores que são professores. Penso que o péssimo salário dos professores assim obriga muitos a terem um biscate para equilibrar as contas sua vida pessoal e familiar. Que bom seria ter professores de educação física para educarem as novas gerações nesta prática desportiva saudável e higiénica para cada qual e para a sociedade, e treinadores – cada vez mais sabedores destas matérias do desporto e da atividade física – para a especialização daqueles que se destacam nos inícios da sua prática desportiva em todos os jogos. Continua…