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Os Jogos Olímpicos: a sua promessa e a sua realização

Francisco Oliveira
Opinião \ sexta-feira, novembro 21, 2025
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Em rigor, o hipermercantilismo tornou-se o princípio orientador dos Jogos Olímpicos, como o provou a saciedade os Jogos de Los Angeles de 1984 ou as famosas olimpíadas da Coca-Cola, em Atlanta em 1996

Mas é igualmente preciso, ou melhor, estritamente necessário, que o COI, seja verdadeiro promotor de liberdade e igualdade, e que deixe de agir por preconceitos pseudocientíficos (de sobremaneira, nas questões de género e do sexo, e que tem servido para pôr em causa a identidade ou o sexo das mulheres). Não devemos olvidar que Coubertin inclinava-se para um machismo eurocêntrico e chauvinista. Bem como a sua visão sobre as classes e o amadorismo, por pressão dos ingleses, tornaram-se verdadeiros problemas criados aos Jogos Olímpicos. Contudo, terá sido o futebol profissional (o que me deixa muito feliz perceber o papel deste desporto de massas para as massas laborais e populares) a pressionar a rigorosa definição dos ingleses sobre o que entendiam por amadorismo. E, no tempo certo, Coubertin, como bom republicano e, simultaneamente, como alguém que entendia o socialismo como um flagelo, defenderá o alargamento dos Jogos Olímpicos às classes operárias. Jules Boykoff escreve, e sem receio, que a questão do amadorismo (termo que se releva de um grande valor e se aproxima do conceito francês antigo de des-porto(e) – sem portagem/sem porte/sem pagamento/sem obrigação/para se distrair) terá sido um instrumento ao serviço de elites sociais e económicas: “o amadorismo, enquanto nítido reflexo dos valores das classes média e altas britânicas, foi instrumentalização enquanto «ideologia de controlo e exclusão, disfarçada de imperativo moral para o desporto». O estatuto de amador permitia às classes alta e de média controlar os trabalhadores através de uma fachada de moralidade retórica” (p. 38).

Para o refundador moderno dos Jogos Olímpicos, o Barão Coubertin, estes eram a sua prioridade, e empenhou-se em imbuí-los de rituais simbólicos, estandartes e folhas de louro. Hinos clássicos e o famoso símbolo icónico dos cincos anéis, em 1913, simbolizando cada anel um continente, e as cores de todo o mundo. Mas será que isso significou o fim do racismo e da xenofobia? O fim da arrogância de uma civilização em relação a todas as outras. Não! Caso contrário! Não raramente, parecia uma réplica de tempos coloniais. Onde o exótico era exibido e a superioridade de uma raça e cultura sobre as outras era o esperado nos resultados finais. E quando assim não acontecia, causava espanto ou se apresentavam explicações pseudocientíficas e retóricas. A bandeira foi estreada em 1920, nos Jogos Olímpicos de Antuérpia, mas significou tratamento igual para todos os povos?! Ainda teremos de esperar durante muito tempo… Mesmo que os Jogos de Paris de 1900 tenham tido a primeira mulher campeã, das cerca de 20 mulheres que participaram pela primeira vez. Contudo, tratadas como menores e piedade… pois eram mulheres e outras deveriam ser a suas ocupações e diversões, e até desportos. Uma desigualdade, nos tempos iniciais por uns motivos, e hoje por outros, a participação das mulheres continua díspar dos homens. E outras discriminações perduraram (como os Jogos de St. Louis com a inclusão das Jornadas Antropológicas, um racismo mascarado de método científico ou os Jogos nazis de 1936, de cariz profundamente racista e supremacista) e perduram, de face diferente hoje, mas a mesma discriminação de sempre. Mas, às vezes, como diz o nosso povo – Deus escreve direito por linhas tortas – como foi a vitória de Jesse Owens nos Jogos mais supremacista de sempre, Berlim 1936. “A visão que Coubertin tinha (defendia Jules Boykoff) para os Jogos estava repleta de contradições – a paz e a boa vontade associavam-se ao sexismo, ao racismo e ao privilégio de classe” (p. 67).

Saber que a sacralização hodierna dos Jogos Olímpicos está muito longe daquilo que a Grécia Antiga fazia, é um facto confirmado pelo domínio das finanças e outros interesses sobre os valores maiores do desporto e da cidade (Pólis/política). Proferindo, os seus mais altos representantes, que o desporto se tornou uma grande instituição democrática, esbarra de frente com a especulação imobiliária e financeira, os jogos políticos com ditaduras de esquerda e de direita, bem como a expropriação de terras e expulsão de povos, e populações, do seu habitat, bem como das suas casas. Tudo, hipocritamente, em nome dos valores maiores do desporto. Que contradições fatais, que denigram a tradição mais genuína dos jogos, quer como desporto, quer como atividade física. E, de sobremaneira, da promessa dos Jogos Olímpicos Só por aqui se percebe os boicotes e manifestações diversas quanto aos jogos nesta cidade ou naquele país, pois a sua realização tem negado a sua promessa. E isto são atitudes e atos, não raramente, dos povos dessas nações, ou das populações dessas cidades que manifestam uma atitude contra os Jogos. Mas, igualmente, os atletas se têm manifestado contra as mais diversas contradições e incongruências do Jogos Olímpicos. Porque não lembrar, nos Jogos do México de 1968, Tommie Smith e John Carlos, estrelas do atletismo afro-americano, que subiram ao pódio em meias e ergueram os punhos envergando luvas petras e baixando a cabeça enquanto se fazia ouvir o hino nacional dos EUA?! Os Jogos Olímpicos tornaram-se uma enormíssima máquina desportiva, de marketing e mediática. Os direitos televisivos começaram a faz desta máquina de fazer dinheiro. Um festival atlético, e do mais alto nível, inundado pelo capital financeiro do mundo das grandes empresas, e sempre patrocinados por líderes mundiais de duvidosa alma desportiva. Em rigor, o hipermercantilismo tornou-se o princípio orientador dos Jogos Olímpicos, como o provou a saciedade os Jogos de Los Angeles de 1984 ou as famosas olimpíadas da Coca-Cola, em Atlanta em 1996. E foi o filho mais velho de uma figura ímpar dos EUA, e do mundo, Martin Luther King, e na época como comissário do condado de Fulton, quem melhor retratou esta transmutação – “A ganância, a exclusividade e o elitismo – contra os quais o meu pai lutou – tornaram-se os símbolos do movimento olímpico de Atlanta e estão refletidos no negócio proposto diante de nós; osa ricos e prósperos de um lado, os pobres e desesperançados do outro”.

 

Continua

 

Guimarães, 21 de novembro de 2025

Pe Doutor Francisco de Oliveira

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