Os deputados de Guimarães
Conta-se que antes de assinar o termo de aceitação e juramento da Constituição (quase republicana) da Monarquia Portuguesa de 1822, as mãos tremeram ao rei D. João VI e que, percebendo a hesitação, o secretário das Cortes Constituintes lhe terá sussurrado ao ouvido: “Majestade, coragem!”. Se não é certo que o tenha dito, é sabido que o secretário era João Baptista Felgueiras, o primeiro de uma longa lista de deputados por Guimarães — nem todos vimaranenses —, alguns dos quais se destacaram, por boas e más razões.
Eleito em 1820, João Baptista Felgueiras, que nasceu junto ao Castelo de Guimarães, é o primeiro deputado de Guimarães e de uma notável família de deputados. Nas eleições seguintes, seria deputado pelo círculo do Porto, tendo sido eleito por Guimarães o seu pai, Manuel José Baptista Felgueiras. Com um interregno forçado durante a usurpação miguelista, foi eleito sucessivamente para a Câmara dos Deputados, até à década de 1840. Durante a 1.ª República, o seu neto Mariano Felgueiras destacou-se como político democrático e republicano, tendo sido, além de deputado, presidente da Câmara Municipal de Guimarães. Já no Estado Novo, será a vez do seu bisneto António Baptista Felgueiras tomar assento no hemiciclo de S. Bento.
As constituições que resultaram de assembleias constituintes tiveram assinatura de destacados deputados vimaranenses: além de João Baptista Felgueiras, em 1822, António Vieira de Castro, na Constituição setembrista de 1838, Eduardo de Almeida, na Constituição da República de 1911, e António Mota Prego e Fernando Alberto Ribeiro da Silva, na Constituição de 1976, esteio da democracia portuguesa nascida no 25 de Abril.
Ao longo do tempo, a indicação dos candidatos a deputados andou frequentemente embrulhada em polémicas motivadas pelas conjunções partidárias do caciquismo que distribuía cargos e benesses, abrindo caminho a que as terras pudessem ser “representadas” por deputados que nunca nelas puseram os pés. Desses, também os havia nascidos em terras de Guimarães, como o padre maçon António Vieira de Castro, que chegou a ministro do governo setembrista, depois de eleito e reeleito deputado pela Beira Alta e que, em 1836, na eleição para as cortes constituintes, seria eleito por quatro círculos diferentes (Guimarães, Penafiel, Porto e Viseu), acabando por optar pela representação da sua terra natal. Um outro vimaranense, José Coelho da Mota Prego, seria eleito deputado quatro vezes, no início do século XX, mas nunca pela terra onde nasceu: em 1900, por Braga, no ano seguinte, por Vila Real, e, em 1905 e 1906, por Ponta Delgada.
E Guimarães também teve a sua conta de deputados “de fora”, incluindo dois futuros ditadores.
Em 1884, João Franco Castelo Branco, natural do Fundão e que nunca tinha estado a Guimarães, foi imposto pelo Partido Regenerador, numa eleição com onze candidatos “de cascos de rolha, que andavam à pesca em águas turvas”, segundo João Lopes de Faria, e sem candidatos vimaranenses. Muitos eleitores optaram por escrever no boletim de voto o nome de Alberto Sampaio, que não era candidato.
Em 1921, arranjos entre partidos adversários impuseram a Guimarães, em prejuízo do vimaranense Alfredo Pimenta, um deputado de Santa Comba Dão que desprezava os sistemas representativos. Mas por pouco tempo, já que António de Oliveira Salazar tomou posse e não voltou ao parlamento. Ao contrário do que quis fazer crer, não foi por ausência de ambição política nem de gosto pelo poder que não cumpriu o seu mandato. Antes pelo contrário, como não tardaria a demonstrar.
Nos dias que correm, na escolha dos candidatos a deputados, ainda persiste a mesma lógica, o que ajuda explicar a prevalência de decisores político com poucas qualidades, mas com muitos interesses e afinidades. Em Guimarães recordo, por exemplo, o modo como Miguel Laranjeiro, porventura um dos deputados de Guimarães mais atentos e dedicados à sua terra, foi trucidado pela força bruta de maiorias efémeras alimentadas por sindicatos de votos que se impõem em estruturas partidárias.
Esta é uma estranheza que ressurge quando percebemos o modo como foi descartado o capital de trabalho, prestígio e visibilidade que o deputado André Coelho Lima acumulou, mesmo entre aqueles que nunca foram seus eleitores, no tempo em que esteve em S. Bento. Uma prestação com reconhecimento internacional, visível na sua participação em missões de acompanhamento de processos eleitorais e na recente designação para representante especial da Assembleia Parlamentar da OSCE para as áreas em conflito. Cargo que também deveria honrar a sua cidade, mas que, não sendo deputado, não poderá exercer. Algo que custa ainda mais a perceber quando se diz, e ainda não se viu desmentido, que o deputado Coelho de Lima recebeu um convite, que não terá recusado, para integrar a lista de candidatos do seu partido.
A História, afinal, repete-se.