Um Gróvio no vale do Ave, há muitos séculos atrás
"No sector sul, por trás da casa redonda posta a descoberto, surgiu, na superfície vertical de uma rocha que a terra envolvia, a palavra CTOVIO, (ou GROVIO?), em letras fundamente gravadas. Esta inscrição rupestre é muito interessante, mas, infelizmente, de significado enigmático, pelo seu laconismo"*
*Mário Cardozo, Citânia de Briteiros. 27.ª Campanha Arqueológica, Revista de Guimarães, 1959, p. 518
A localização dos achados arqueológicos era, de facto, ainda um problema em 1959. Por muito que Mário Cardozo conhecesse perfeitamente a localização desta inscrição latina na Citânia de Briteiros, as indicações que deixou sobre o sítio onde a mesma tinha sido identificada, foram as que publicou neste relatório das escavações da campanha daquele ano, acompanhado de uma fotografia da gravura. Debalde foi esta inscrição procurada nos últimos anos (o que usamos chamar “relocalização”), na sector sul da encosta virada a nascente, como escreveu Cardozo, apesar da existência de uma fotografia e da nota de que a inscrição tinha sido gravada com letras fundas. Eis que foi reencontrada este ano, na campanha realizada em Julho passado. Fica numa zona mais a sudoeste da Citânia, por trás de uma casa circular, de facto.
De difícil visualização a olho nu, a inscrição foi registada com luz rasante, prevendo-se a eventualidade de existirem mais letras na mesma superfície rochosa, o que não se verificou. Confirma-se ser apenas uma palavra, cuja gravação tem 38 centímetros de largura, em letras regulares de 7 centímetros de altura. Será efetivamente a palavra GROVIO que ali foi gravada, no que pode ser o nome de um povo, os Gróvios, uma comunidade referida nas fontes clássicas, que se crê ter habitado as margens do rio Minho. Mas, mais provavelmente, este nome próprio pode aqui identificar uma pessoa que ostentava esse apelido, quiçá por ser originário dessa mesma comunidade, ou os seus antepassados dali terem vindo. Parece tratar-se de um indivíduo que terá habitado naquele conjunto doméstico, construído sobre uma plataforma encostada à primeira muralha, do lado de fora da acrópole, em momento anterior ao da gravação desta inscrição. O nome não é muito recorrente na epigrafia latina do Norte de Portugal, conhecendo-se um outro Gróvio referido numa inscrição de Vila Mou, entretanto desaparecida, como nos relatou Félix Alves Pereira, em 1906.
Gróvio terá sido inquilino que, vindo eventualmente do vale do Minho, aqui veio habitar, em pleno Ave, cujo curso observava da casa que aqui obteve. A situação podia ter acontecido há vinte anos, mas foi há quase dois mil.