Uma imagem de liberdade
A caminhar a passos largos para os "entas" cada vez mais recordo imagens de um mundo que passou por mim, mas que parece ter acabado ou desaparecido do meu quotidiano. Lembro-me de ir a uma feira onde se vendiam alfaias agrícolas e animais (onde me prometeram um burro que nunca me chegaram a dar...), de na aldeia ver carros de bois a transportar mato, de passar por gente de outro tempo, de ouvir o apito do amolador, de à saída da primária ir brincar (atirar pedras) para um lago que se formou nas fundações de um centro comercial em construção, de ver um homem a perseguir outro de pistola em punho em plena rua de Santa Luzia, de ir e vir para à escola a pé (com amigos ou sozinho), de, já adolescente, pegar na bicicleta e ir pela estrada fora ou pelo monte (sem dar satisfações a ninguém), de ver o Vitória ganhar ao Parma (na altura uma das melhores equipas da Europa), de tomar banho no rio, de beber água das fontes, de o programa para uma tarde ser não fazer nada (e de isso ser bom!), de saídas à noite em que se encontravam pessoas por acaso, de uma parte da turma se ter barricado numa aula de informática para ouvir Bob Marley e de nessa mesma turma haver uma solidariedade que não voltei a encontrar, de fazer quilómetros para procurar um disco ou um livro, de o tempo passar mais devagar...
Recordo-me também de estarmos todos juntos por Timor (sem facções), da massificação da internet, dos primeiros blogues, de se ler e escrever com mais liberdade, do aparecimento das viagens baratas, da roupa "da moda" barata (que pôs fim a uma das formas mais visíveis de diferenciação social), de ver o país a mudar, de conviver com todo o tipo de pessoas na escola e na universidade, das pessoas passarem a parecer mais iguais e ao mesmo tempo mais diferentes e disso ser bom!
Muito disto acabou, mudou ou evoluiu. Nada de novo.
Curiosamente, uma das memórias mais antigas que guardo é a de ver num descampado à entrada da cidade um conjunto de tendas e por ali perto um homem a cavalo. Creio que, sendo uma criança, imaginava que ali haveria qualquer coisa de diferente de tudo o que conhecia, um lugar mais livre, talvez sem grandes regras. Talvez não fosse assim, mas foi essa a imagem que guardei. Uma imagem de liberdade. Gosto de alimentar a esperança de um dia a reencontrar.