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O vírus que roubou a liberdade

Ruthia Portelinha
Opinião \ quinta-feira, abril 01, 2021
© Direitos reservados
Voltar a planear aventuras, a ansiar por destinos que nunca visitámos, a imaginar roteiros. Essa liberdade já é, em si, uma viagem.

Tudo parecia longínquo, um misterioso surto limitado a uma região asiática de difícil pronúncia. E, num ápice, estava em todo o lado, limitando movimentos e gestos de afeto à escala planetária.

Portugal entrou em estado de emergência, um regime de exceção que a maioria de  nós não experimentara e que, entretanto, se banalizou. De estado de emergência em estado de emergência, a livre circulação, um dos direitos e liberdades constitucionalmente consagrados, ficou comprometida. Os países encerraram fronteiras, os viajantes cancelaram reservas, o espaço aéreo voltou ao domínio (quase) exclusivo dos pássaros.

Viajar é um verbo otimista, escreveu algures o viajante e escritor José Luís Peixoto. Eu acrescento que é um verbo feliz que se conjuga na vontade de explorar, alargar horizontes. Constitui um maravilhoso sinal de evolução civilizacional que, muitos de nós, tomou como adquirido. Acontece que, no último ano, os nossos horizontes foram drasticamente reduzidos: no meu caso particular, a 90 metros quadrados de um apartamento.

O bicharoco invisível não alterou apenas as nossas rotinas, infligiu um pesado golpe no otimismo coletivo. Na narrativa da pandemia já vimos hasteados vários slogans, do prosaico “Vai ficar tudo bem”, ao “Estamos juntos”, máxima aplicável a tudo e mais alguma coisa. Mas, paradoxo, não estamos juntos, estamos separados, impedidos de um abraço, impedidos de realizar viagens não essenciais até que a imunidade de grupo seja alcançada ou, pelo menos, que a situação pandémica esteja controlada.

Se alguma lição se pode retirar deste vírus que nos roubou a liberdade, é a reflexão sobre como esta (liberdade) é preciosa. Será que saímos desta pandemia com consciência do privilégio que é viajar? Será que percebemos que, há apenas uma geração, pisar a Grande Muralha, escalar o Kilimanjaro, subir o Amazonas, fazer uma road trip pela Europa ou nadar com tubarões estava ao alcance de muito poucos?

Hoje, em dois ou três cliques pesquisamos voos, alugamos carro, comparamos preços de hotéis e até adquirimos um seguro de viagem, tudo no mesmo site. As revistas de papel lustroso e grossos guias impressos já não monopolizam as nossas escolhas de destinos. Felizmente, o ato de viajar tornou-se acessível, corriqueiro até.

A notícia do lançamento do Passaporte Verde, livre-trânsito no âmbito geográfico da União Europeia, comprovando a vacinação contra a covid-19 ou a recuperação da doença, permite-nos a ousadia de ressuscitarmos as viagens, num futuro próximo, com os devidos cuidados. Voltar a planear aventuras, a ansiar por destinos que nunca visitámos, a imaginar roteiros. Essa liberdade já é, em si, uma viagem.

Talvez o regresso à estrada seja tímido, feito de pequenos passos, depois de um ano de confinamento (com algumas pausas pelo meio). Afinal, em viagem, não podemos controlar tudo, como acontece na proteção do lar. Mas, como um sábio escreveu há milénios, uma jornada  de mil milhas, começa com um único passo.

 

Para outras viagens: https://bercodomundo.com/ 

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