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O relógio parado

Amaro das Neves
Sociedade \ sexta-feira, abril 16, 2021
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Na altura, interessei-me pela história daquele relógio. Acabei por descobrir que a empresa fundada por Manuel Cousinha ainda existia. Tentei saber se o relógio teria conserto.

Começo a escrever a minha primeira cró­nica para o Jornal de Guimarães quando os ponteiros do relógio do Toural marcam dez horas e quarenta e sete minutos.

Costuma dizer-se que o patri­mónio é uma das marcas dis­tintivas de Guimarães, não só porque o tem, muito, valioso e diverso, mas também pelo modo como assume como um desígnio coletivo a sua defesa e o seu cuidado. Não obstante, ainda há por aí tesouros patri­moniais votados ao esqueci­mento e ao abandono. Um deles está escondido na basílica de S. Pedro do Toural.

A igreja do Toural foi dada por concluída na década de 1880, mas os olhos vazados das qua­tro faces da sua torre desir­manada só foram preenchidos muito mais tarde, quando a Câmara, depois de autorizada pela Irmandade de S. Pedro, por protocolo perpétuo, ali mandou instalar um relógio com quatro mostradores.

O mecanismo, uma notável obra de engenho e arte, foi encomendado no dia 8 de Ju­lho de 1938 ao relojoeiro Ma­nuel Francisco Cousinha, que concebeu e montou um reló­gio-carrilhão mecânico que acionava quinze sinos e esta­va dotado com um dispositivo de cilindros apto a executar qualquer composição musical. Este maquinismo foi então classificado pelos jornais de Lisboa e do Porto como “uma maravilha de mecânica, a me­lhor e mais completa de Portu­gal, depois dos carrilhões de Ma­fra”, tendo estado em exposição na Casa Africana, em Lisboa, no Palácio Ford, no Porto, e no esta­belecimento de Bernardino Jor­dão, Filhos & C.ª, no Toural. Foi preparado para assinalar as ho­ras com fragmentos do Hino de Guimarães, que os vimaranen­ses escutaram pela primeira vez nas Gualterianas de 1938.

O relógio municipal marcou o tempo de Guimarães até que, em 2002, alguém, sem aviso à pro­prietária nem ao zelador, decidiu que era tempo de o substituir por uma maquineta eletrónica, ca­paz de executar centos de músi­cas, mas que não demorou a tor­nar-se obsoleta. Parou em 2018.

Na altura, interessei-me pela história daquele relógio. Acabei por descobrir que a empresa fundada por Manuel Cousinha ainda existia. Tentei saber se o relógio teria conserto. Respon­deu-me um neto do seu inven­tor, que me disse que estavam “habilitados a restaurar e reins­talar o vosso relógio-carrilhão mecânico e todos os acessórios existentes”, prontificando-se a vir de imediato a Guimarães.

Disse-lhes que iria comunicar a resposta à Câmara, “na espe­rança de desenvolvimentos fu­turos no sentido da devolução à cidade Guimarães daquele pa­trimónio singular, incompreen­sivelmente desativado”. Assim fiz, no dia 1 de Outubro de 2018.

Passado tanto tempo como o que o ponteiro maior gastaria para dar mais de vinte e duas mil vol­tas ao relógio, continuo sem res­posta e sem saber se a minha ini­ciativa teve desenvolvimentos.

Costuma-se dizer que Guima­rães também se distingue pelo modo como acolhe os contribu­tos dos seus cidadãos, mas isso é algo que parece ter parado num tempo lá atrás, como o re­lógio que consulto no momen­to em que termino de escrever, onde ainda são dez horas e qua­renta e sete minutos.

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