skipToMain
ASSINAR
LOJA ONLINE
SIGA-NOS
Guimarães
08 setembro 2024
tempo
18˚C
Nuvens dispersas
Min: 17
Max: 19
20,376 km/h

O desporto e a economia (continuação)

Francisco Oliveira
Opinião \ sábado, julho 20, 2024
© Direitos reservados
Todos sabem, embora alguns tentem assobiar para o lado, que se a liga a Arábia Saudita arrancar com força e crescer nos próximos tempos poderá canibalizar algum do investimento comercial.

Miguel Sousa Tavares, com a sua escrita muito própria e assertiva, a 4 de novembro de 2022 escreveu um duro artigo no Expresso – O futebol é lindo, este Mundial é uma vergonha (o do Catar). Alertou a opinião pública portuguesa para esta realidade do que hoje se intitula sportswashing, ou seja, o uso político e económico do desporto por parte de autoridades autocráticas e totalitárias. E o cronista conclui: “O jogo agora chama-se dinheiro. E a cobiça é tanta que, depois da UEFA ter inventado um outro Campeonato da Europa de Seleções a que chama Taça das Nações e que alterna com aquele a cada dois anos, é a vez da FIFA querer também um Mundial de dois em dois anos e de os grandes clubes da Europa congeminarem outra Champions League só para eles e com lugar cativo para eles todos os anos” (Expresso, 04.XI.2022, Primeiro Caderno, p. 3). Esta utilização político-económica dos eventos desportivos é uma lavagem desportiva da imagem onde se procura aumentar o capital político associando um Governo, ou mesmo um regime, ao desporto e ao capital de adesão e simpatia que este gera. O Mundial do Catar foi só mais um caso da hipocrisia que ronda estas instituições que geram o futebol na Europa e no Mundo, premiando regimes autoritários e autocráticos (como a Alemanha Nazi, a Itália fascista de Mussolini, a Argentina de Jorge Videla, a Rússia de Putin, etc) atribuindo-lhes a organização de eventos desportivos e sem garantir os direitos mais básicos da humanidade e dos valores que os seus próprios estatutos proclamam.

Participar nestes eventos desportivos, dos diversos desportos e modalidades, é uma honra para os atletas, um momento fantástico para os adeptos, mas para quem gere tudo isto, é somente um negócio bastante obscuro e lucrativo. Tudo em nome da real futebolitik, pois o negócio e o dinheiro são o mais importante. Encher a boca com afirmações de que o desporto, e o futebol em particular, é apolítico tornou-se uma das maiores anedotas do mundo desportivo. Contudo, para este aproveitamento político-económico destes eventos como sportswashing, mesmo advogando as reformas na governação desportiva, quer a nível nacional, quer internacional, urge entender que este problema não é as críticas de hoje, mas o silêncio(s) do passado. É preciso quebrar estes silêncios em nome dos valores e princípios que desde sempre o jogo, como desporto e prática física, sempre soube promover: o fair play, a não discriminação de género e de orientação sexual, crença religiosa ou não crença religiosa, opção política e filosófica, etnia, etc. O jogo não pode alhear-se do mundo em discursos surreais, e levar mais a sério os valores das suas cartas daquilo que sempre definiu o jogo na história (neste caso ocidental) e na prática. O jogo não pode ser o monopólio do uso político e económico, quer na mão dos dirigentes desportivos, quer na mão dos políticos e capitais.

Esta aposta no desporto, a sportswashing, onde também se destaca a Arábia Saudita, é um pilar do projeto de Mohammed bin Salman (Príncipe herdeiro e primeiro Ministro da Arábia Saudita), que se intitula Visão 2030, que visa diversificar a economia além do petróleo e, ao mesmo tempo, que procura melhorar/lavar a imagem do seu regime, desfocando dos atentados aos direitos humanos: discriminação de género e de opções sexuais (de sobremaneira as mulheres e os homossexuais), bem como perseguições religiosas e políticas, direitos laborais, etc. Este é o atual patrão de Cristiano Ronaldo (desde 5 de junho de 2023) e de muitas outras estrelas do futebol e do desporto em geral. Mas é a organização de grandes eventos e competições desportivas a mais tradicional forma de sportswashing. Assim se candidatou ao Mundial de 2030, mas que perdeu para Portugal, Espanha e Marrocos. Uma lição do Mundial do Catar?! Talvez? Mas acolherá os Jogos Olímpicos de Inverno da Ásia de 2029. E o descaramento é tremendo, com o governo da Arábia Saudita a justificar o investimento com a necessidade de criar novas oportunidades de investimento e de melhorar a saúde pública num país com elevadas taxas de obesidade e diabetes. Quem acredita, ainda, nesta conversa fiada? E na Arábia Saudita! Só que o dinheiro fala mais alto, quer nestes governos, quer nas organizações do desporto em geral (e não só no Futebol; veja-se o caso do Ténis e da Fórmula 1). Todos sabem, embora alguns tentem assobiar para o lado, que se a liga a Arábia Saudita arrancar com força e crescer nos próximos tempos poderá canibalizar algum do investimento comercial, principalmente em termos de patrocínios, levando ao depauperamento da Liga dos Campeões. Será que a fartança gananciosa de alguns levará ao fim do desporto, em particular do futebol, como o conhecemos?!

Hoje nós sabemos que o dinheiro jorra a oriente e o grande dinamismo económico da primeira metade do século XXI está razoavelmente delimitado a poucas zonas do globo, a guerra da energia, por outro lado, deu um poder inesperado a países do Golfo. A guerra do gás deu um poder fabuloso ao Catar (segundo maior exportador mundial), que sem dúvida permitiu um Mundial sob suspeita de corrupção e de sportswashing. Não é só o futebol, é a Fórmula 1, é o Ténis, etc, tudo corre para onde corre o dinheiro, corre para o oriente. O mesmo lugar de onde surgem os bilionários que compram clubes de futebol na Europa, e no Mundo. Trazem dinheiro fresco, como ADUG (Abu Dhabi United Group) da família real dos Emirados Árabes Unidos que comprei o Manchester City. E desde 2009 o City enriqueceu desta ligação à Ethiad Airways, do Abu Dhabi, mesmo que o famoso fair play financeiro só funcione para alguns. Em rigor um desvirtuar do desporto, e em particular do futebol, por um negócio hipermediático. E porquê? Como explicar a inação da UEFA, mesmo das ligas nacionais, se não com o receio de confrontar os mais poderosos, e porque também eles ganham com estes investidores megáricos. É um berlinde de milhões – dinheiro fresco que entra, jogadores que se contratam e direitos televisivos que valorizam.

Continua…

Podcast Jornal de Guimarães
Episódio mais recente: O Que Faltava #73