O ataque ao poder da sociedade civil: o caso da AHBVCT
Desde a Grécia Antiga que o princípio da separação de poderes é uma preocupação. Trata-se de um modelo político que visa a melhor governança de um Estado através da fragmentação do seu poder em órgãos distintos e independentes, com o objetivo de impedir que os poderes políticos de uma sociedade se concentrem numa única figura de autoridade, seja ela uma pessoa, um grupo ou um órgão do governo.
A abordagem à separação dos poderes, em termos formais, tem em conta, normalmente, os poderes judicial, legislativo e executivo, separando-os pelos diferentes órgãos do Estado. Há, no entanto, outros poderes cuja separação e independência são cruciais para a democracia, como disso é exemplo o chamado quarto poder - a comunicação social que, pela sua capacidade de moldar a opinião pública, está eticamente obrigada à isenção.
A sociedade civil não é comummente entendida como um poder, já que é o sujeito para quem é exercido o poder. No entanto, perceber uma sociedade democrática, é perceber um sistema composto de diferentes partes que contribuem para o todo. Na grande máquina democrática a sociedade civil desempenha um papel crucial, havendo mesmo uma relação direta entre a qualidade da democracia (e o desenvolvimento humano) e o associativismo.
No nosso país é a sociedade civil que garante respostas sociais básicas que o Estado é incapaz de prover, como são os casos das associações de bombeiros, que garantem o socorro, ou das IPSS, que garantem apoio aos idosos e crianças.
O papel da sociedade civil, porque não é formalmente visto como um poder, não está protegido de ataques interesseiros. Desde sempre encaradas como presas fáceis pelo poder partidário, as organizações da sociedade civil estão frequentemente a saque pelo caciquismo partidário, com tudo o que isso representa de mau para a democracia e para o desenvolvimento da própria sociedade.
O sequestro das associações e organizações da sociedade civil pelo poder partidário contribui para uma maior fragmentação e polarização da sociedade, descredibiliza as organizações conotando-as com o partido x ou y e afasta os cidadãos do associativismo, do voluntarismo e da participação cívica, criando a perceção social de uma espécie de absolutismo e impedindo a participação de outros cidadãos.
A candidatura de Luís Soares, presidente da Junta das Taipas e deputado à Assembleia da República, à Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Caldas das Taipas – AHBVCT - é um péssimo serviço à democracia e à associação. E se da pessoa em questão não se esperava uma leitura ética sobre incompatibilidade, uma vez que o mesmo foi já condenado judicialmente por esse facto, esperava-se mais da AHBVCT.
Se o poder legislativo não vê necessidade (ou não tem interesse, pois é ele mesmo quem o sequestra) de verter em Lei a separação do poder político do poder civil, uma associação de cariz humanitário e de socorro deveria blindar-se, sublinhando a importância de manter a sua imparcialidade, neutralidade e independência e proibindo nos seus estatutos a candidatura de políticos em funções aos órgãos sociais, garantindo assim a universalidade dos seus serviços.
Luís Soares não é o salvador ou o conciliador como se apresentou no anúncio da sua candidatura. Ele não goza de consenso dentro do próprio partido, como o fará ao serviço dos Bombeiros?