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Literacia

Diogo Nuno Mesquita
Opinião \ terça-feira, maio 06, 2025
© Direitos reservados
O que acontece muitas vezes, em qualquer área, é que a literacia condiciona o potencial do que se recebe, fazendo lembrar a velha ideia da ingratidão – pérolas a porcos.

Um país de pouca literacia acaba sempre por pagar por isso. A falta de competência generalizada para perceber, interpretar e aplicar informação, numa era de tão fácil acesso à mesma, representa um risco agravado de decadência social.

Ao nível da literacia financeira, recentemente exposta pela ignorância da maioria acerca do funcionamento das retenções na fonte do IRS, esse risco ficou patente. Todos devemos considerá-la importante, que faz falta a muita gente. Não só pela questão fiscal, mas pela premente necessidade de consciencialização de que a sustentabilidade da segurança social está comprometida e as previsões de futuras reformas não permitirão que os seus beneficiários vivam com dignidade. Que é preciso poupar. Que a natalidade é baixa e felizmente morremos mais velhos, mas também por isso a demografia é má. Aproveitar para que percebam que o caminho erróneo que os nossos governantes escolheram para tentar resolver o problema a curto prazo foi o de abrir as portas à imigração desregulada, como que a empurrar o problema para a frente com a barriga, com a promessa de que outros apareceriam por causa dessa resolução. Ainda assim, seria um ótimo sinal se a literacia financeira pudesse ser prioritária e houvesse consciência de que faz falta a toda a gente, mas a realidade, infelizmente, não é essa. Está muito longe de ser essa. A literacia financeira é uma futilidade, meço bem a palavra, comparada ao que falta a Portugal para chegar a um nível de avanço que suspire por essa necessidade. Seria, para a nossa realidade, como se a preocupação em ensinar a tabuada a um bebé de um ano estivesse no topo das prioridades dos pais antes de o ensinarem a comer. A contradição de tanto se reclamar por literacia financeira é o reflexo da falta de consciência do país. Do seu interior e meios rurais. Desconhecimento que é pura ignorância e egocentrismo urbano; é ver Portugal como este citadino desenvolvido que deve priorizar ideologias de género, energias verdes e alterações climáticas. É a moralidade das metrópoles a julgar-se dona do caminho. Da direção e da força dos passos. Há falta de literacia financeira e é crucial que haja um plano para atenuar isso, principalmente pelo aproveitamento dessa condição pelo sistema financeiro, mas não pode atropelar a necessidade de colmatar a falta de outras literacias e educações mais básicas.

Na verdade, é do enraizamento da consciência da falta de literacia dos outros que se estabeleceu uma mentalidade de oportunismo. Assume-se que ninguém percebe nada e não falta gente para se aproveitar dessas falhas (serve para compensar as vezes em que outros se aproveitam das suas, noutras áreas). A falta de rigor é resultado disso, desse descrédito. E no caso da política é flagrante – o comportamento dos seus agentes é moldado em função das exigências do público ao qual apelam. Um bom exemplo é o atual modelo dos debates, tão apreciado em geral – um básico espetáculo de boxe avaliado por comentadores enquanto básico espetáculo de boxe. A causa é a falta de literacia do espectador. Devido a isso, o vendedor (televisões) contrata comentadores com literacia suficiente para se poderem aproveitar dessa falha, e assim avaliar aquilo como o básico espetáculo de boxe que o espectador quer ver (ditam as audiências). Na pressa de perceber quem roubou eleitorado a quem, até se esquecem das propostas de políticas públicas que prometem ajudar os cidadãos (sabem que pouco interessa, até para os próprios cidadãos). Valorizam a performance, o concurso de retórica, de truques e armadilhas para fazer o adversário tropeçar. Os apartes engraçados e os comentários atrevidos no tempo certo. Por sua vez, dentro do ringue, também se encontram portadores de literacia suficiente para se aproveitarem dessas falhas. Neste caso, exploram os critérios de avaliação dos comentadores (combate de boxe) na expectativa de conseguirem arrancar apreciações que incentivem o voto que interessa – do iletrado espectador que assiste consolado no sofá, ao qual sugerem que vá adquirir literacia financeira.

O que acontece muitas vezes, em qualquer área, é que a literacia condiciona o potencial do que se recebe, fazendo lembrar a velha ideia da ingratidão – pérolas a porcos. Neste caso, o que seria uma possível pérola acaba mesmo por se transformar em algo com pouco critério.

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