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Letargo

Francisco Brito
Opinião \ terça-feira, julho 23, 2024
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Discutíamos se a cidade estava, viva, morta ou em letargia. O fraco movimento (de pessoas e automóveis) parecia ser um sintoma que algo não ia bem. Faltava apenas o diagnóstico.

Há dias, em conversa com um amigo desiludido com o estado das coisas em Guimarães, discutíamos se a cidade estava, viva, morta ou em letargia. O fraco movimento (de pessoas e automóveis) parecia ser um sintoma que algo não ia bem. Faltava apenas o diagnóstico. Ele, um artista amigo de Guimarães, com uma sensibilidade bastante superior à minha, não teve dúvidas e afirmou que a cidade estava em letargia. Já eu, olhando para o que de muito positivo se fez nos últimos anos, não atrevi a considerar que a cidade estava morta. Contudo, reconhecendo vários dos problemas que foram referidos, não pude deixar considerar o diagnóstico ajustado.

Letargia. Uma palavra que não se ouve com frequência (e que não sei porquê recorda-me de imediato música dos Mão Morta!). Letargo, uma palavra que D. Ana Amália Moreira de Sá utilizou para se referir ao estado em que Guimarães se encontrava em 1855: “Guimarães, pátria de Afonso/ Foste nobre em Portugal!/ Foste grande n’outro tempo/Quando não tinhas rival (…)/Como findaram teus brios/Tua grandeza findou/(…) Nem conservaste o orgulho/Memórias, que te deixou!/Abatido e descontente/Em letargo adormeceste/Nem o progresso saudaste/Nem bem inda o conheceste!/Um nome deste ao futuro/Que logo após esqueceste (…).”

Mas de que se queixava em 1855 D. Ana Amália Moreira de Sá? Não sabemos ao certo, mas podemos especular. À vila, elevada recentemente a cidade e ao concelho, faltava uma indústria estruturada, estradas decentes, associações e instituições culturais, caminhos de ferro, novas formas de assistencialismo para os mais desfavorecidos, aproveitamento dos recursos naturais (como os das águas termais e dos parques) e até as associações civilizadores e/ou de recreio que então estavam na moda.

Os anos seguintes encarregaram-se de tirar Guimarães do “letargo” em que havia adormecido e a cidade e o concelho renasceram, parecendo responder ao apelo de D. Ana Moreira de Sá, que terminava o seu poema dedicado a Guimarães da seguinte forma: “Guimarães; oh! ergue a fronte/Surge à luz, que os tempos dão!/Recorda ao mundo teu nome/Teus dias se alegrarão”.

Vivemos tempos de profundas transformações científicas, tecnológicas, ambientais e sociais. Como sempre aconteceu, a mudança traz a cada individuo (em doses nem sempre iguais) esperança, descrença, cepticismo e optimismo. Os dias são luminosos ou tristes conforme o momento que se vive e o olhar de cada um. Saber surgir ou ressurgir “à luz que os tempos dão”, mantendo viva a memória do passado, parece ser a chave para enfrentar o futuro e viver dias alegres.

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