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Irreverência: uma tradição nicolina

Francisco Brito
Opinião \ sábado, dezembro 11, 2021
© Direitos reservados
Para os estudantes a irreverência faz parte da Festa. E é por isso que as Nicolinas se foram sempre realizando, independentemente de indecisões, modas ou proibições.

Não é certo quando começaram os estudantes de Guimarães a celebrar o dia de S. Nicolau, contudo sabe-se que a primeira referência documental que associa o dia do Santo a festejos estudantis refere-se a uma transgressão.

Foi através de uma descoberta do notável investigador Rui Faria que se ficou a saber que na noite de São Nicolau de 1645, António Pereira e Tomé Pereira, ambos estudantes, arrombaram um postigo da casa de Maria Cardosa, tendo esta apresentado uma queixa que, mais tarde, viria a retirar.
O relato, extraído de um documento notarial, não só demonstra que em 1645 existia algum tipo de culto prestado a S. Nicolau pelos estudantes vimaranenses, mas também revela que já nessa altura as festividades se revestiam de um certo carácter transgressor, que perdurou ao logo dos séculos e que ainda hoje se mantém.

Talvez pela sua natureza irreverente, a relação das festas com a cidade e com as suas instituições e autoridades nem sempre foi fácil. Para dar alguns exemplos dessas tensões bastará recordar o já referido arrombamento no século XVII (que se resolveu na justiça), o conflito com a Igreja no século XVIII (que proibiu que os estudantes usassem as vestes dos sacerdotes), o choque com o poder político no século XIX (que levou à detenção de alguns estudantes em 1825) e até a oposição de uma certa parte da sociedade ao ruído causado pelo rufar dos tambores (um artigo publicado num jornal da década de 50 ou 60 do século XIX pedia aos estudantes que não fizessem barulho, em nome da civilidade…).

Este ano, marcado por algumas atribulações, demonstrou que as Nicolinas estão vivas. Isto apesar da pandemia, de alguns excessos (a ser verdade o que se passou nas roubalheiras) e de certos dissabores fruto de indicações contraditórias relativas à realização do Pinheiro…

Sendo verdade que a irreverência parece ser a mais antiga tradição nicolina - ou não fossem as Nicolinas festas estudantis! - tal facto não confere aos estudantes qualquer espécie de imunidade. Nunca conferiu. Mas convém não esquecer que para os estudantes a irreverência faz parte das Festas. E é por isso que as Nicolinas se foram sempre realizando, independentemente de indecisões, modas ou proibições.

Quanto aos “velhos”, que também têm o seu lugar nas Festas, de nada lhes serve tomar as dores dos estudantes (não vão recuperar a juventude perdida!). Cabe-lhes apenas participar, tentando promover um certo equilíbrio para que tudo corra pelo melhor.

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