Um raro testemunho dos irmãos Valentiniano e Valente
Segundo a Britannica, no dia 17 de Novembro do ano 375, na cidade de Brigetio, na província romana da Panónia Inferior (atualmente em território húngaro), o imperador romano do Ocidente Valentiniano I denunciava exaltadamente os ataques ao Império por parte da tribo germânica dos Quadi, quando terá sido acometido por um ataque vascular que lhe levou a vida. Isto depois de ter passado os seus últimos anos a desenvolver um sistema defensivo do limite imperial no Reno, quando a invasão dos Quadi, em 375, o levou à fronteira do Danúbio. O dia-a-dia dos imperadores romanos seria isto, praticamente até ao final do Império no Ocidente.
Precisamente, a divisão do Império entre o Ocidente e Oriente, culturalmente marcada em vários aspetos, levou a que o cargo máximo fosse frequentemente partilhado entre duas entidades imperiais, que, contudo, eram considerados dois braços do mesmo poder. Foi por esta razão que Valentiniano, pouco depois da sua eleição, no ano 364, nomeou o seu irmão mais novo, Valente, como Augusto, atribuindo-lhe o governo do Império no Oriente. Assim, até ao trágico episódio de Brigetio, que matou Valentiniano pelos 54 anos, os dois irmãos mantiveram o título de Augusto em todo o império, sendo então habitual as homenagens e a ostentação de símbolos do poder fazerem referência a ambos.
Esta deambulação pelo poder imperial romano no século IV da nossa Era serve apenas para contextualizar uma curiosa peça arqueológica existente no Museu Martins Sarmento. Pois que enquanto Valentiniano se atormentava com as instáveis e perigosas movimentações das tribos germânicas na fronteira do Império e Valente com várias conspirações e golpes, bem como não menos perigosos ataques de turbulentos vizinhos, por aqui, no Noroeste da Ibéria, um escultor seguramente pago por uma individualidade ou entidade oficial, fazia-lhes singela homenagem.
Encontrada fora do seu contexto original, em Braga, por Albano Belino, este elemento de granito de configuração cilíndrica, com cerca de meio-metro de altura, conserva as desgastadas letras latinas de uma breve inscrição: "A Valentiniano e Valente, Senhores Nossos...". Tem sido considerada como um fragmento de marco miliário de uma via romana. Contudo, os seus limites superior e inferior, bem definidos, bem como o seu reduzido diâmetro, sugerem mais tratar-se de uma secção de coluna, que pode ter integrado um edifício ou um monumento. Em qualquer dos casos, está clara a homenagem imperial dupla, bem como a sua cronologia, entre os anos 364 e 375.
Não fossem os sempre atentos olhos de Albano Belino e o tosco cilindro de granito já estaria (ou continuaria) a calçar uma parede ou nas fundações de um qualquer muro, privando-nos de uma rara ligação à história europeia do século IV. Mesmo no Museu Martins Sarmento, o elemento passava despercebido até à sua recente valorização, recolocado num espaço que recebeu outros cilindros romanos, miliários, mas não só. Integrou a doação de Belino à Sociedade Martins Sarmento, em 1907.