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Frei Domingos da Soledade Sillos, um bibliófilo minhoto

Francisco Brito
Opinião \ segunda-feira, outubro 14, 2024
© Direitos reservados
Olhemos para as estantes da biblioteca de um padre que no século XIX lia Voltaire, ficção científica, Confúcio e o Corão.

Quando em 1855, no Hospital de São Domingos de Guimarães, morreu Frei Domingos da Soledade Sillos abriu-se a porta da sua biblioteca. O antigo egresso franciscano havia deixado dois filhos menores e é através do seu inventário orfanológico que vamos encontrar a relação da sua preciosa biblioteca (ou livraria, como se dizia na época).

Antes de entrarmos na biblioteca deste Padre convirá partilhar algumas notas biográficas. Nasceu em Braga em 1805 no seio de uma família modesta. Em 1824 entrou na Província da Soledade (Franciscanos), sendo Opositor e Leitor de Filosofia no Colégio de Castelo Branco. Em 1832, terá sido expulso do Convento devido às suas ideias liberais. Depois, com a extinção das ordens religiosas, passou a clérigo regular, tendo sido nomeado em 1835 Abade de Gémeos (em Guimarães), sendo de seguida pároco de Touguinhó e, mais tarde, Prior de Vila do Conde, Igreja em que foi apresentado em 1839 e que deixaria em 1850. Foi na qualidade de Prior de Vila do Conde que lavrou o assento de baptismo de Eça de Queiróz, um registo em que o baptizado foi dado como filho de mãe incógnita, o que levou a que este procedimento (na época relativamente comum em certos contex­tos) fosse posteriormente tratado como uma espécie de bizarria (digna de nota e até de debate!) perpetuando assim, de uma forma algo inusitada, o nome de Frei Domingos da Soledade Sillos.

Por volta de 1850 fixa residência em Guimarães. Nessa altura a Irmandade de São Torcato encomenda-lhe um estudo sobre a vida do Santo e Sillos não falha dando à estampa em 1853 o livro“Vida Preciosa e Glorioso Martyrio de S. Torquato”,  a obra que viria a fixar o cânone sobre a vida deste Santo. Em 1854 Alexandre Herculano passa por Guimarães em direcção a Fafe e fica alojado na casa de Frei Sillos de quem era “íntimo amigo”. Esta amizade, certamente cultivada por interesses e ideias comuns, pode dar-nos algumas pistas sobre o perfil intelectual de Sillos.

Ao longo dos anos Sillos esteve sempre em contacto com os livros podendo dizer-se sem hesitar que era um bibliófilo. A sua biblioteca incluía um precioso manuscrito camoniano (uma versão dos Lusíadas em latim da autoria de Frei Francisco de Santo Agostinho de Macedo que Silos obteve “por compra da livraria de um religioso”) e 411 livros das mais variadas temáticas. Se é verdade que a religião é o principal tema presente na biblioteca de Sillos, nas suas estantes vamos encontrar também literatura, ciência e filosofia. Ao percorrer a biblioteca de Sillos vamos encontrar obras de Voltaire, “O Alcorão de Maomé”, “Moral” de Confúcio, “Poética” de Aristóteles,  “Obras de Camões”, “Sermões do Padre António Vieira em espanhol”, “Guia de Casados” de D. Francisco Manuel de Melo, “O Condestable de Portugal” de Rodrigues Lobo, “Gil Bras de Santilhana”, “Diccionário Filosófico” de Voltaire, “Paraíso Perdido” de Milton, “Ensaio sobre o Homem” de Alexander Pope, “Obras…” de Racine, “Tratado dos Deli­tos e das Penas” (de Beccaria, uma das primeiras obras a defender a abolição da pena de morte), “Obras completas de Filinto Elísio”, “Portugal Enfermo” de José Daniel Rodrigues da Costa, “Os frades julgados no tri­bunal da Razão”, “Triunfo da Natureza” de Nolasco da Cunha, “D. Branca”, de Almeida Garrett, “Enciclopédia das Ciências e das Artes”, “O ano de 2440” de Mercier, “História das Imaginações extravagantes por Oufle” (uma obra sobre magia e criaturas fantásticas), “Phisica experimental” por Sigaud ou a “Geografia Universal” por Lacroix.

A dispersão da biblioteca de Sillos fez com que os seus livros seguissem caminhos diferentes e saíssem de Guimarães. Alguns ficaram por cá para contar a história deste bibliófilo minhoto. Foram comprados quando Sillos morreu pelo Dr. Bento Cardoso, outro célebre bibliófilo e hoje repousam nas estantes da Sociedade Martins Sarmento.

*texto adaptado do artigo “A Numerosa e bem escolhida livraria de Frei Domingos da Soledade Sillos” publicado em São Torcato: História, devoção e Património.

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