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O desporto e a economia (continuação)

Francisco Oliveira
Opinião \ sábado, novembro 11, 2023
© Direitos reservados
Eu quero que, numa nova era do futebol, ele seja o que sempre foi, um jogo do povo, sábio ou ignorante, rico ou pobre, do Norte ou do Sul, mas onde todos e todas o podem jogar

O economista Luís de Carvalho, no jornal Expresso de 10 de novembro de 2018 escreveu um artigo intitulado – “Breve História Económica do Futebol”. Neste artigo divide a história do futebol em 3 eras: a primeira vai da fundação até à II Guerra Mundial, onde o futebol é essencialmente uma atividade desportiva. Aqui, ao contrário da atualidade futebolística, o número dos que viviam exclusivamente do futebol era muito reduzido. A segunda era corresponde em rigor à segunda metade do século XX, que segundo Luís Cabral é a era do desporto profissional como espetáculo. É nesta era que o conceito “negócio futebol” se começa a definir, onde cada vez mais atletas dependem exclusivamente do futebol para viverem. A dedicação torna-se exclusiva e os salários elevam-se acima da média, ganhando alguns muito acima da média, ou mesmo com salários inconcebíveis até meados dos anos 80 do século XX.

Recordo-me de ouvir antigos jogadores, que foram ídolos do meu pai, expressarem o seu descontentamento por no seu tempo ganharem um pão com marmelada e pouco mais. É nesta mesma altura que os estádios se modernizam e aumentam a sua capacidade, e as academias de futebol se começam a impor entre os clubes mais significativos. O Vitória Sport Clube, nesta altura, é o primeiro a construir uma academia. As receitas aumentam e, simultaneamente, as ocasiões de mais negócios e lucros impõem-se com grande acutilância e como uma mais-valia. E isto num tempo em que se profissionalizam não só os atletas, mas também os outros quadros que compõem os órgãos e funcionários dos clubes. Tudo se complexifica, aumentam os custos, às vezes exponencialmente, e novas exigências vão-se impondo. Por último, com o alvor do século XXI surge o futebol global.

Este Futebol Global já não se caracteriza pelo desporto, nem tão pouco pelo espetáculo, mas pelo negócio do futebol, gerido por gestores altamente profissionais – um CEO – e sempre rodeados por quadros especializados, escritórios de advogados, economistas e contabilistas, e os clubes tornam-se empresas em busca de rendibilidade e com grandes quadros de trabalhadores; as Sociedades Anónimas Desportivas, realidade que hoje se impõe para qualquer clube com dimensão nacional e/ou internacional. Se porventura nos distrairmos, podem suceder-se muitos casos Belenenses que se repetirão até à exaustão. Num tempo global, favorecido pelas viagens e as redes sociais, e muitas outras formas de proximidade (física e não física), onde as grandes ligas (como a espanhola e inglesa) ganham dinheiro e deslocam momentos únicos dos seus campeonatos para nações que pagam milhões para que o espetáculo do negócio futebol lá aconteça. Ou a FIFA altera o calendário do futebol e adapta ao dinheiro dos endinheirados, como é prova cabal o Mundial do Catar, as suas sagradas liturgias futebolísticas.

Os jogadores, estrelas altamente pagas, e com outros dividendos, tornam-se pseudomodelos para as novas gerações, que se precipitam em catadupa em academias de futebol esperando encontrar o filão milionário e uma boa-vida. Uma comunicação social que gasta o seu prime-time a discutir o futebol e o futebolês, e outros e diversos comércios e negócios que rodeiam o fenómeno do futebol. Já agora, nós que batemos tanto no futebol no nosso meio e cultura desportiva, não podemos esquecer que este é em fenómeno generalizado no desporto atual. Veja-se, por exemplo, que nos EUA a NBA é algo similar, sendo os seus atletas tão ou mais bem pagos que os jogadores do futebol. Ou a Fórmula 1…. Enfim, este é um fenómeno que põe em perigo o desporto e/ou a atividade física, pois o desporto é hoje reduzido a uma nota de rodapé.

Este é o tempo dos super-jogadores, dos super-treinadores e dos superagentes, ou em Portugal (personalizando), do Cristiano Ronaldo, do Mourinho, do Jorge Mendes. O dinheiro, ou melhor, o money make to money, faz super-milionários como nunca, jamais, alguma vez se tinha sonhado. Quando comecei a ir ao futebol com o meu pai não existia no calão do futebolês a expressão agente/empresário de futebol. Agora nada se faz sem estes senhores (ou senhoras) que nos bastidores, entre salões e hotéis, aviões e barcos privados, se multiplicam em encontros secretos. O segredo será sempre a alma do negócio, tornando o negócio do futebol, e do desporto em geral, uma atividade opaca. Ou, perigo maior, mesmo mafiosa. No entretanto, milhões e mais milhões circulam, não raras vezes, por canais inclinados, enriquecendo alguns à custa da genialidade de poucos e do entusiamo de muitos. Os intermediários geram fortunas livres das obrigações sociais a que todo o trabalho legítimo está obrigado por solidariedade com os outros. Sem impostos e sem criar riqueza para o todo social, a comunidade, abrigam-se em esquemas fiscais fraudulentos relacionados com pagamentos de direitos de imagem (e similares) e com intervenção de companhias/agência estabelecidas em paraísos fiscais. E sempre rodeados de excelentes profissionais de advocacia, de fiscalistas e de outros muitíssimos capazes de criar os esquemas que transformam a noite em dia. O mal não está no dinheiro, nem no negócio, mas nos que colocam o dinheiro em tal patamar que um dia já não será desporto, futebol, mas será uma mera atividade empresarial. Eu quero que, numa nova era do futebol, ele seja o que sempre foi, um jogo do povo, sábio ou ignorante, rico ou pobre, do Norte ou do Sul, mas onde todos e todas o podem jogar e conversar com paixão na conversa casual no café ou em família. O desporto como encontro de pessoas, e não como uma ocasião de negócio.

O professor Luís de Carvalho termina o artigo com a partilha do “conflito latente entre o ‘futebol global’ e aqueles que sonham com o regresso ao tempo em que o futebol era mais desporto do que negócio”. Discordo, pois eu espero um equilíbrio entre a realidade do dinheiro, que o desporto e a atividade física hoje exigem, e os que aproveitam este desporto e atividade física para enriquecerem a carteira e os seus interesses mesquinhos. Não é preciso escolher entre dois mundos ideais, só precisamos de fazer a escolha que faça regressar o desporto, mesmo no futebol, para todos e todas, e com realismo consciente, e sem máfias, e que faça com que o dinheiro esteja ao serviço do desporto com valores e fazedor de humanidade e comunidade. Este tempo de novos radicalismos, e de génese de perigosas ideologias políticas, religiosas, filosóficas ou sociológicas, ou da religião woke (do politicamente correto e outros asteriscos), recordemos a expressão de Karl Popper – “Aquele que nos promete o paraíso na Terra nunca produziu nada mais que o inferno”.

Continua…

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