Encurralados
No passado dia 02, António Costa decidiu segurar João Galamba, abrindo uma crise política. Contra a vontade do Presidente da República, contra as expetativas da maior parte das pessoas que acompanham a vida política e (ao que parece) de uma parte do Partido Socialista, Costa decidiu arriscar um pouco. Já quase tudo foi dito sobre esta matéria. O Primeiro-Ministro, cercado por uma série de casos que tendem a agravar-se, achou que era o momento de encurralar o Presidente. As vantagens para Costa são fundamentalmente duas: caso o PR opte pela dissolução do Parlamento o PS pode apresentar-se a eleições com um capital político maior do que aquele que terá dentro de alguns meses (desgastado por mais casos que inevitavelmente irão surgir). Caso o PR não faça nada, Costa elimina politicamente Marcelo e ganha uma espécie de poder absoluto.
Apesar da dissolução do Parlamento ou a neutralização do PR se apresentarem como o cenário mais provável, poderá haver uma terceira via. Marcelo pode esperar um pouco, aguardar por um novo escândalo, caso ou casinho (que não tardará) e nessa altura poderá por fim a este governo, alegando que fez tudo o que estava ao seu alcance em nome da estabilidade política…Mas qualquer decisão do PR é uma jogada arriscada. Se esperar demasiado tempo, perde capital político, se nada fizer é neutralizado e se provocar novas eleições e Costa ganhar passará a ser mais um ornamento do Palácio de Belém.
Numa altura em que o estudo da semântica ganhou um novo fôlego convirá escutar com redobrada atenção as declarações de António Costa. A dado momento diz que o PM tem de ter “disponibilidade para a solidão”, apropriando-se daquela que era uma característica de Marcelo (um Presidente solitário) e ganhando uma aura de sacrifício (que os portugueses adoram). Esta solidão aparente de Costa revela precisamente o contrário. Demonstra que tem a parte que interessa do partido consigo (o resto depois obedece ou desaparece) e que terá dados que lhe permitem achar que irá obter um bom resultado eleitoral.
É claro que tudo isto é tática e jogo político. E é uma pena que cabeças tão brilhantes não concentrem as suas energias numa reforma do sistema (dentro dos valores da democracia liberal), em que se promova uma maior proximidade entre eleitores e eleitos, em que se descentralize e em que se pense em soluções de longo prazo para os problemas do país…
Marcelo foi encurralado por Costa. Veremos como irá reagir. Já os portugueses estão encurralados por diferentes formas de ingovernabilidade para as quais uma maioria absoluta e rios de dinheiro demonstraram não ser a solução. Infelizmente, para muitos, a única saída continua a ser a emigração.