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Expedição gaulesa à Lusitânia

Gonçalo Cruz
Opinião \ sexta-feira, outubro 31, 2025
© Direitos reservados
A identificação de Portugal com a Lusitânia tem uma história própria e não é uma invenção de Fabrice Caro e Didier Conrad.

Algo tem sido escrito, por estes dias, acerca do novo álbum das aventuras dos irredutíveis gauleses, "Astérix na Lusitânia", apontando-se a incorreção da identificação da Lusitânia com Portugal, entre outros alegados erros históricos. Antes de mais, convém estarmos cientes de que esta é uma obra de ficção. Não tem, em princípio, um intuito didático, científico ou informativo.  Nem sequer pretende retratar fielmente uma ambiência histórica, como acontece com outras obras que, sendo ficção, procuram um contexto real. É o resultado de um trabalho de livre criação, independentemente de os seus autores o localizarem no tempo e no espaço.

Contudo, a identificação de Portugal com a Lusitânia tem uma história própria e não é uma invenção de Fabrice Caro e Didier Conrad, nem mesmo de, antes deles, Goscinny e Uderzo. Ela corresponde a uma tradição histórica secular, similar, aliás, à identificação de França com a Gália ou da Alemanha com a Germânia. Estas associações podem ser distorcidas por um cunho nacionalista, mas também podem ser apenas referências histórico-culturais evocativas do passado do território.

Neste último contexto, não creio que faça sentido abandonar expressões como “Lusitano”, “Luso” ou “Lusofonia”, quando nos referimos a Portugal ou à Língua Portuguesa, só porque estas palavras se inspiram no nome de um antigo território, cujos limites não coincidem exatamente com os de Portugal. Objetivamente falando, é uma incorreção, porque, como há muito se concluiu, Portugal e a antiga Lusitânia são duas entidades distintas, que em diferentes momentos históricos, terão partilhado parte do mesmo território. Mas é um erro que, se radicalmente o tentássemos corrigir, chegaríamos ao ponto de mudar os nomes de vários países atuais, da Bélgica à Suíça…

Acresce que, para alguns portugueses zelosos, o nome Lusitânia pode representar uma exclusão, porque o Norte do país – onde está a génese de Portugal – não integrava a província romana da Lusitânia. Na verdade, o atual Norte de Portugal, que foi a última parte do atual território a integrar o Império Romano, e também onde a influência romana chegou mais tarde, começou a ser administrado a partir da Lusitânia. Há mesmo quem defenda, com argumentos coerentes, que o que seria a Lusitânia pré-romana, ia do Tejo ao Cantábrico. No entanto, após a efémera existência de uma província Transduriana (para lá do Douro), o atual Norte português foi integrado na província Tarraconense e só quase trezentos anos depois surgiu a província da Galécia, uma criação da administração imperial – como tinha sido a Lusitânia – englobando os atuais territórios da Galiza, Astúrias, Leão e parte de Portugal.

Como é natural, numa série que explora estereótipos dos países atuais, o objeto deste álbum é Portugal e os Portugueses. Como também é costume, incluem-se referências a locais, cidades e monumentos do país em questão. Neste caso, é de frisar o esforço dos autores em retratar uma Olisipo fiel aos dados arqueológicos que se conhecem sobre a antiga Lisboa, que é o palco da ação do álbum. Mas também não poderia faltar uma aldeia nativa – aqui chamada de Zepovinhium – que, empoleirada numa falésia, se inspirou seguramente numa Ericeira ou numa Nazaré. No entanto, e porque Portugal vai do Minho ao Guadiana, foram os castros do noroeste do país que, assumidamente ou não, inspiraram a arquitetura dos aldeões lusitanos. E foi assim que, mais ou menos lusos, todos coubemos no retrato.

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