Eterna culpa alheia
Assisti atónito a uma novela lamentável e triste nas últimas semanas, em que os intervenientes não souberam estar à altura da instituição que representavam e representam. Escrevo, infelizmente, sobre a novela que rodeou a saída de Álvaro Pacheco do Vitória Sport Clube.
Álvaro Pacheco não esteve bem ao deixar-se fotografar num restaurante, onde reuniu com um dirigente de um clube interessado nos seus serviços. Álvaro Pacheco não podia ignorar que o proprietário do restaurante iria publicar essa mesma fotografia, uma vez que aquele publica regularmente estas fotos, com fins publicitários, com os clientes mais mediáticos e em particular do mundo do futebol. Infelizmente, nessa publicação, o proprietário, em jeito de insinuação, partilhou uma inconfidência. Como a grande maioria dos adeptos do Vitória não sabia que a Direção da SAD não pretendia contar com os serviços de Álvaro Pacheco na próxima época, e que nesse sentido já autorizara aquele a encetar negociações com clubes interessados nos seus serviços, a realização daquela reunião - ainda para mais numa fase decisiva do campeonato, e quando todos acreditavam que aquele continuaria a ser o “timoneiro” na próxima época - aos olhos daqueles (adeptos e sócios), afigurou-se como uma traição.
Acontece que Álvaro Pacheco estava autorizado a encetar aquelas negociações, uma vez que, por comum acordo, a rescisão do contrato, no final da época, já estava definida. A grande maioria dos sócios do Vitória desconhecia tal facto, mas a rescisão já era comentada e dada como certa, nalguns círculos, ainda antes do “episódio” do Tiago Silva.
Perante a publicação daquela fotografia e comentário do proprietário do restaurante, muitos adeptos manifestaram naturalmente o seu desagrado. Reação natural e compreensível. Mas, para agravar a situação, fonte do clube, fez sair uma notícia em que se propalava a surpresa da Direção com essa reunião e com as negociações do seu treinador com outro clube, e se dava a conhecer um desagrado diretivo que punha em risco a manutenção do vínculo do treinador ao clube. Álvaro Pacheco foi, em conferência de imprensa realizada no D. Afonso Henriques, confrontado pelo jornalistas com essa narrativa, e de imediato aquele esclareceu que nunca teria tido uma reunião como aquela sem estar autorizado pela Direção. Álvaro Pacheco também devia ter, na sequência desse esclarecimento, pedido desculpas aos sócios pela sua incúria em deixar-se fotografar e permitir que se soubesse desta forma da sua iminente saída e da perturbação que esta notícia provocou. Também o deveria ter feito, se não fez, junto da Direção, se se comprometeu a manter estas reuniões sigilosas. Ao não o fazer andou mal.
Se a Direção nessa altura tivesse tornado público que autorizara o treinador a ouvir propostas para a próxima época, e fizesse saber que, de comum acordo, tinha sido acordado a rescisão do contrato com efeitos a partir do final da corrente época desportiva, a novela terminaria logo ali. Apenas deveria ter ocorrido entretanto uma conversa entre António Miguel Cardoso e Álvaro Pacheco, onde, olhos nos olhos, o primeiro deveria ter dito o que entendia dever dizer, nesta situação, àquele, dando de seguida este episódio por terminado, assegurando que o remanescente da época fosse concluído num clima normal e com o treinador, restante equipa técnica e jogadores, exclusivamente focados no trabalho e nos objetivos do clube.
O que passaria apenas a existir era a necessidade de Direção esclarecer os sócios do motivo pelo qual Álvaro Pacheco, e demais equipa técnica, não continuaria a representar o Vitória, apesar da qualidade do trabalho desenvolvido e época notável, com um plantel curto – e que ainda foi posteriormente amputado de peças essências no decorrer do campeonato – e em que aquele entrara no “comboio” já a época começara e depois de o plantel ter sido comandado por três treinadores diferentes. Mas a Direção poderia ter sempre remetido esses esclarecimentos para o final da época.
Contudo não foi esse caminho trilhado, optando antes o presidente da Direção por não falar diretamente com o treinador, que era funcionário do clube e a quem competia responder perante os seus superiores hierárquicos, mas antes com um seu representante legal, demonstrando com essa atitude e conduta uma incapacidade de liderar homens (e mulheres) e gerir equipas, enquanto simultaneamente, sem desculpa, deixava correr uma narrativa que alimentava a novela e que sabia que não correspondia à verdade e que, a partir de determinado momento, só podia, essa estratégia seguida, visar apenas e tão só uma tentativa de assassínio de caráter (como aconteceu com o Conselho Vitoriano que tentou tornar público uma acordo nefasto que comprometeu os próximos 30 anos do clube e da SAD), como ainda, visava a habitual e recorrente atribuição de responsabilidade pelos seus atos ou insucessos a terceiros, no caso da não continuação de um treinador ganhador ao serviço do clube.
São quase três anos de desculpas e culpas alheias e de anos zero, sem assunção de qualquer responsabilidade. Qualquer sócio que esteja atento, e não queira escamotear a verdade, sabe isso. Veja-se agora o que se passou com a multa de 200 mil euros aplicada pela UEFA e sobre a pena suspensa imposta. Nem uma palavra de assunção da responsabilidade por esta sanção e pelas dívidas resultantes de atos de gestão imprudentes e contrários à politica de rigor e controle financeiro prometido. Apenas um comunicado inócuo e opaco foi publicado na página do clube, dando notícia do sucedido mas já na sequência e a reboque da publicitação da sanção pela UEFA.
Álvaro Pacheco errou, mas não só não o terá feito deliberadamente, como nada da sua conduta justificava o que se passou a seguir. Muito menos merecia o que dele agora tem sido dito pelos “haters” do costume. E não se diga, como alguns dizem, que ele pretendeu trocar o Vitória por razões económicas, porque ele na próxima época “só” ia ganhar o dobro do que ganhou na que agora findou, nos termos do contrato que tinha celebrado com o Vitória. Ele ficará na história do Vitória e o Vitória deveria reconhecer o seu bom trabalho. A ingratidão, calúnia e o desprezo são dos piores defeitos.
Por último, sem prescindir, o bom nome do Vitória Sport Clube deveria ter sido em todos os momentos preservado, assumindo cada uma postura proba e responsável. Não foi o caso.
Infelizmente este é mais um episódio que demonstra a saciedade a incapacidade, desnorte e a ausência de um projeto por parte desta Direção, que vai destruindo valor e que vê paulatinamente os seus quadros e os seus dirigentes a afastarem-se em desacordo com o rumo (ou ausência dele) seguido. Apenas António Miguel Cardoso não vê, ou não quer ver, que cada vez mais está mais só, e que não tem a capacidade de dar um rumo ao Clube, porque não tem, nem nunca teve, projeto e muito menos soluções.