Este país será só de velhos
Há 40 anos que não há renovação geracional em Portugal, quem o diz é o demógrafo Paulo Machado, presidente da Associação Portuguesa de Demografia. A natalidade é um dos maiores desafios que o nosso país atravessa. É um problema com décadas e cujos cenários catastróficos, como a falência da segurança social, são sobejamente conhecidos e discutidos por todos. No entanto, apesar dos estudos, das discussões, das promessas, nunca tivemos uma política pública integrada de longo prazo, que se propusesse resolver este problema.
Há na política nacional a cultura da reação, nunca da antecipação, da prevenção, do planeamento. Talvez não seja uma característica apenas da política, talvez seja cultural, talvez esteja no nosso ADN, por isso sejamos um povo tão astuto na arte do desenrascanço... Certo é que um país e um estado não se pode reger pela arte do improviso, não pode andar sempre atrás do prejuízo, devendo governar com visão, com políticas públicas estruturais e de longo prazo, que evitem situações de rutura como a que temos perante os nossos olhos, no que toca ao envelhecimento da população.
A baixa natalidade é um problema complexo que tem origem em diversas causas e problemas sociais. Baixos salários, falta de habitação, falta de respostas de apoio à infância são alguns dos obstáculos que desincentivam a natalidade. Todos estes obstáculos são responsabilidade de um Estado que se diz social.
Desde 2012, o abono de família diminuiu 35%, o que demonstra, claramente, uma política pública em contracorrente com as necessidades do país. Curiosamente não se fala nestes números, as notícias preferem destacar as esmolas pontuais que este governo “tão altruisticamente” devolve às famílias, e estas distraem-se com os 50 euros que, pontualmente, lhes apareceu na conta.
O relatório Portugal Balanço Social 2022 diz-nos que 67,4% das crianças até aos 3 anos não vão à creche e quase 40%, entre os 4 e os 7, não frequentam o pré-escolar. Estas estatísticas incidem sobretudo em famílias mais pobres, privando assim as crianças do acesso à educação em idades fundamentais do seu desenvolvimento humano. Além de desincentivarmos a natalidade, estamos também a encravar o elevador social e a perpetuar a pobreza (para não falar da violação do direito fundamental de acesso à educação). De nada adianta fazer uma lei que garante a gratuitidade das creches se não há vagas nas creches. O governo tem de explicar como é que não há creches quando sabemos que este é um fundamental no combate ao problema da baixa natalidade.
Se levamos o problema da natalidade a sério, então o planeamento de vagas nas creches deveria ter sido uma prioridade lá trás. Construir creches hoje não resolve o problema no imediato. Uma vez mais é apenas uma jogada de distração para os mais desatentos. A mesma tática que o presidente da Câmara de Guimarães usou estes dias, ao anunciar que está a negociar o aluguer das instalações do Verbo Divino para instalar uma creche a partir de setembro. Ainda não assegurou as instalações, as licenças e que IPSS vai explorar a creche, mas diz que quer abrir daqui a três meses... acredita quem quer...
Esse corte no apoio social e a falta de planeamento de respostas sociais à infância são dois infelizes exemplos do descaso que os responsáveis políticos dão ao gravíssimo problema da natalidade, mas também da falta de sentido crítico de uma sociedade entorpecida. Quem vier depois que resolva, e assim se vai empurrando o problema com a barriga, hipotecando as gerações futuras e o nosso próprio futuro.