E tu, fazes parte?
No seguimento do meu anterior artigo - Desafios para 2022 - venho partilhar algumas notas sobre o desafio que considerei ser o factor crítico de sucesso transversal a todos eles: a participação da sociedade civil na gestão da res publica.
Os processos de participação ativa dos cidadãos têm obviamente raízes muito antigas, mas foi após a Conferência do Rio em 1992, e através da Agenda 21 Local, que surgiu o reconhecimento mundial da sua importância enquanto instrumento fundamental para a elaboração de estratégias de sustentabilidade.
O compromisso global de implementação da Agenda 21 é reforçado na Europa pela Carta de Aalborg (1994), que ramifica esse compromisso pelas cidades e vilas que a subscreveram. Esta Carta, que incide sobre o desenvolvimento sustentável a nível local, foi revista e atualizada em 2004 (Compromissos de Aalborg), e de novo em 2016 (Declaração Basca). Eis alguns dos compromissos lá inscritos, e subscritos por Guimarães:
- Reforçar os processos de Agenda 21 Local;
- Apelar a todos os sectores da sociedade civil local para a participação efectiva nos processos de decisão;
- Envolver ativamente os cidadãos não só no planeamento participativo mas na implementação participativa, usando novas abordagens como co-produção, co-design e co-inovação.
O valor desta tendência emergente de processos de participação cidadã é amplamente reconhecido em Portugal. Assim o demonstra a sua inclusão em programas estratégicos e planos de ação, e assim ficou explicito pela celebração do Dia Nacional da Participação, que (por coincidência) teve a sua primeira edição na passada quinta-feira.
Na linha do que foi sendo feito cá em Portugal, Guimarães também teve as suas experiências de processos participativos, mas com fracos resultados, de que são exemplos:
- Agenda 21 Local de Guimarães. Um processo com participação cidadã residual que foi abandonado ao final de dois anos sem nunca ter concluído o respetivo Plano de Ação;
- Orçamento Participativo. Implementado na prática em total desrespeito com as regras e princípios do seu regulamento. Não houve uma única assembleia participativa digna desse nome, e mais não foram que sessões de esclarecimento e até de incitamento a propostas violadoras das regras. Foi “sequestrado” pelas juntas de freguesia, e “sepultado” com a pandemia;
- Guimarães 2030: Ecossistema de Governança. Ninguém sabe bem o que isso é, mas certamente que na teoria está muito bem concebido, pois até ganha prémios. Já a prática, e do que eu conheço, é um desastre. As denominadas Assembleias Consultivas da Estrutura de Missão, que pretendiam ser o instrumento de participação da sociedade civil, tem sido uma nulidade.
Em matéria de democracia participativa Guimarães não é o berço (nem tão pouco a incubadora) da nação, pois os processos aqui nascidos tendem a morrer em tenra idade por maus tratos ou negligência parentais. Para tal concorre, com certeza, a inexistência da prática de partilha do poder de decisão, que resulta da ditadura democrática das maiorias absolutas que reina em Guimarães ao estilo Afonsino desde o século passado.
É justo referir que a cultura participativa não se institui por decreto, e é certo que a maior responsabilidade recai sobre os eleitos locais, mas do cidadão também se espera que procure e exija informação que o capacite a participar de forma consciente.
Lembrando o slogan “Eu faço parte” da Guimarães 2012 – Capital Europeia da Cultura, e considerando que fazer parte também é ser ativo, ser ator, e não um mero figurante nesta encenação de democracia, pergunto em jeito de provocação: E tu, fazes parte?