skipToMain
ASSINAR
LOJA ONLINE
SIGA-NOS
Guimarães
26 novembro 2025
tempo
18˚C
Nuvens dispersas
Min: 17
Max: 19
20,376 km/h

Do golo à Geopolítica: O crepúsculo ético de Cristiano Ronaldo 

Luís Lisboa
Opinião \ segunda-feira, novembro 24, 2025
© Direitos reservados
A decisão de ir aos Estados Unidos da América revelou uma desconcertante inversão de prioridades, colocando os interesses económicos e pessoais acima da Seleção Nacional

Cristiano Ronaldo não é apenas um jogador de futebol, é um fenómeno global forjado em talento indomável e num princípio de trabalho que o cimentou, indiscutivelmente, como o melhor jogador português de todos os tempos e um dos melhores da história. É inquestionável que os seus golos e exibições trouxeram glória, títulos e uma projeção ímpar a Portugal, transcendendo o campo para fazer dele um símbolo do país. 

Porém, o percurso de Ronaldo tornou-se indissociável de sérias controvérsias fora do relvado, que remontam a vários períodos da sua carreira de elite. Um dos capítulos mais sombrios envolve as acusações de abuso sexual, nomeadamente o caso de Kathryn Mayorga (referente a 2009), que gerou uma intensa cobertura mediática. Embora os processos legais não tenham resultado em condenação criminal, causaram um profundo dano moral à sua imagem. 

Mais tarde, o seu currículo foi manchado pela má conduta tributária em Espanha. O facto de ter sido condenado e de ter pago uma multa avultada por fraude fiscal – relativa à ocultação de rendimentos de direitos de imagem – foi, desde logo, sintomático de ganância financeira e de quebra de responsabilidade cívica. 

Recentemente, o contraste entre os seus deveres para com a equipa e a agenda pessoal tem-se manifestado de forma gritante. A ausência no Estádio do Dragão, no último jogo de apuramento, foi injustificável, sobretudo vinda de quem prejudicou o coletivo com uma agressão e consequente expulsão na partida anterior. 

O desaire por 2–0 contra a Irlanda e o empate com a Hungria expuseram a fragilidade atual do futebol da Seleção, onde Ronaldo persiste como titular intocável. Para agravar o cenário, a falha no compromisso de capitão foi selada, apenas dois dias depois, por uma viagem aos Estados Unidos integrado na comitiva da Arábia Saudita. Esta decisão revelou uma desconcertante inversão de prioridades, colocando os interesses económicos e pessoais acima da Seleção Nacional. 

Para o adensar da polémica contribuiu, inegavelmente, a entrevista concedida a Piers Morgan. As declarações aí proferidas, de cariz ultraconservador no que toca à igualdade de género, serviram para legitimar narrativas machistas. Além disso, o jogador antecipou esta aproximação política ao elogiar Donald Trump e expressar o desejo de o conhecer, cimentando assim a sua associação a ideologias controversas. 

Consequentemente, este momento, transmitido em direto com repercussão global, constituiu um ato de profundo significado político que exige uma condenação inequívoca. A integração na comitiva da Arábia Saudita converte Cristiano Ronaldo num embaixador informal de um país com um cadastro problemático em matéria de direitos fundamentais. Trata-se da legitimação de um regime autoritário através do sportswashing, uma estratégia que instrumentaliza o futebol para desviar a atenção das violações humanitárias. A gravidade da situação atinge o seu auge quando Ronaldo surge ao lado do príncipe herdeiro saudita — associado a crimes brutais — para se reunir com Donald Trump, uma figura que desregulou os mercados internacionais com prejuízo para todo o mundo, incluindo Portugal. 

Apesar dos seus 40 anos, Cristiano Ronaldo conserva a técnica apurada e a insaciável fome por recordes individuais. Contudo, o seu capítulo desportivo encerra-se inevitavelmente para dar lugar ao palco da influência global. A sua grandeza nos relvados é imortal, mas o legado futuro será indissociável das suas escolhas éticas. O Ronaldo que agora se perfila é um "super-influencer" que capitaliza o seu estatuto em prol de interesses comerciais e geopolíticos, utilizando uma plataforma de mais de 600 milhões de seguidores que rivaliza com qualquer meio de comunicação tradicional. Ao ignorar a responsabilidade social em favor de uma narrativa de mérito individual, transforma-se num provável farol para a direita populista e a alt-right, servindo agendas que instrumentalizam o desporto para fins controversos. 

A fénix renasce, não das cinzas, mas do poder financeiro, numa era onde a fronteira entre o ídolo e o instrumento político se desvanece perigosamente. É nesse terreno movediço, entre a glória do golo e a sombra da geopolítica, que residirá a verdadeira — e polémica — definição do seu legado.

 

Podcast Jornal de Guimarães
Episódio mais recente: