Do americano a vapor e ao teleférico delirante
Se mobilidade é um assunto mal resolvido no concelho de Guimarães, não será por faltarem estudos, análises exploratórias e planos ambiciosos, audazes e inovadores que são, sucessivamente, encomendados, apresentados, engavetados e substituídos por novos estudos, análises exploratórias e planos. O último foi apresentado em plena a pré-campanha eleitoral autárquica, tempo impróprio para discussões profícuas. Incluía uma proposta que não era para levar a sério: um “sistema de teleférico convencional” a ligar a cidade às Taipas, extensível ao centro urbano e servindo a Cruz da Argola, a Universidade do Minho, a Quintã, as avenidas de São Gonçalo e de Avenida de Londres, a Central de Camionagem, o Multiusos e a estação de comboio.
O debate sobre a mobilidade é antigo em Guimarães. Em 1884, fruto do impulso modernizador do fontismo e da aposta no caminho-de-ferro, a cidade ficou ligada ao Porto, mas, das vias para Famalicão, Chaves, Braga ou o Alto Minho, apenas saiu do papel o ramal de Fafe. A bancarrota de 1892 trucidou a expansão da via férrea.
Guimarães não se resignou. Surgiram ideias inovadoras, inspiradas nas últimas novidades em transportes coletivos, importadas especialmente dos Estados Unidos, onde o omnibus (um grande vagão sobre rodas, puxado por cavalos e muares) era substituído por um irmão que já circulava sobre carris. A sua versão mais avançada, a vapor, foi introduzida em Portugal no final do século XIX.
Dos projetos para a instalação de linhas de americano, o que mais avançou foi o da ligação a Famalicão, apresentado em 1891 por dois engenheiros civis da Politécnica do Porto, que tentaram obter a concessão da construção de uma linha de tração a vapor entre as duas cidades. Foi debatido na Câmara em julho de 1895, depois de aprovado pela edilidade famalicense. A proposta passou, após discussão pública, mas nunca se concretizou. E ainda bem, diremos hoje, já que não tardaria o tempo em que a evolução dos transportes rodoviários tornaria obsoleto o americano a vapor que nunca foi bem visto, já que era perigoso, soltava fumo e faúlhas, circulava demasiado depressa, provocava ruído excessivo e trepidação que abalava os edifícios.
O americano foi para o cesto de papéis. O mesmo destino terá o teleférico de nova geração que propõe o estudo que a Câmara de Guimarães encomendou, de uma geração tão nova que ainda nem sequer existe, nem se sabe se virá a existir, por depender da evolução tecnológica. E não será preciso encomendar um novo estudo para lhe apontar mais defeitos do que virtudes, quanto à eficácia, à segurança, à relação custo/benefício ou ao impacto sobre a paisagem.
Para problemas intrincados, como o da mobilidade urbana no concelho de Guimarães, é fácil encontrar respostas criativas, complexas e tecnologicamente inovadoras, se no caderno de encargos não se incluir o respeito pelos princípios da racionalidade e da exequibilidade. Para tal não é necessária grande ousadia: basta não estabelecer limites à criatividade. Mas a inteligência não está em propor soluções que ainda não existem e que dependem dos imponderáveis da evolução futura. Está em resolver problemas complexos através de soluções simples, eficientes, com capacidade de resposta e de adaptação, que não exijam a implantação de infraestruturas intrusivas. Guimarães precisa de um sistema de transportes que promova a coesão territorial, baseado numa teia de geometria variável ajustável à procura, tanto na frequência como na dimensão dos meios ao seu serviço. O desafio à criatividade passa mais pela conceção do sistema, e menos pela inovação em infraestruturas e veículos.