skipToMain
ASSINAR
LOJA ONLINE
SIGA-NOS
Guimarães
18 maio 2025
tempo
18˚C
Nuvens dispersas
Min: 17
Max: 19
20,376 km/h

Dia (Mundial) da Língua Portuguesa

Álvaro Manuel Nunes
Opinião \ sexta-feira, maio 02, 2025
© Direitos reservados
Não obstante namoros e aportações mais recentes, a língua portuguesa, tem marcas de muitos outros lábios de encontros e desencontros proto-históricos e ancestrais.

5 de Maio, é o Dia da Língua Portuguesa, criado em Conselho de Ministros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa a 20 de julho de 2009, em Cabo Verde e comemorado anualmente entre os países de língua oficial portuguesa.

Esta efeméride seria posteriormente, em Novembro de 2019, proclamada pela UNESCO como Dia Mundial da Língua Portuguesa.

Ora, a língua portuguesa é uma das mais importantes do mundo, provavelmente a quinta ou sexta mais falada no planeta, cujos utilizadores se estimam em cerca de 244 milhões de falantes. Por isso, com tanta gente a dar à língua, é normal que ande nas línguas do mundo! Ainda por cima, dizem as más-línguas, quando tem fama de ser uma língua namoradeira, como nos conta o escritor angolano Eduardo Agualusa: “a minha língua é uma mulata feliz, fértil e generosa, que namorou o tupi e com o ioruba, e ainda hoje se entrega alegremente ao quimbundo, ao quicongo, ou ao ronga, se deixando engravidar por todos esses idiomas”.

Curiosamente, uma língua que “foi ao mesmo tempo, embora em espaços diferentes, língua de emigrantes e língua de colonizador”, ora acompanhando a diáspora, ora o colonialismo. Porém, como disse Amílcar Cabral, um dos obreiros da independência das ex-colónias portuguesas: “uma das melhores coisas que os tugas nos deixaram”.

Efetivamente, língua de guerra e de paz, ela foi/ é voz de poetas e escritores africanos como Agostinho Neto, Viriato Cruz e Mário de Andrade, José Craveirinha ou Alda Espírito Santos, ainda, língua  poética do Brasil com Manuel Bandeira, Cecília Meireles , Carlos Drummond de Andrade e Vinicius de Morais e pena da prosa de Machado de Assis, Jorge Amado e Guimarães Rosa, entre outros. A língua premiada no Prémio Camões que Germano Almeida, Pepetela e Paulina Chiziane conquistaram, entre outros nomes grandes da literatura africana e brasileira, e idioma que levaria José Saramago ao Nobel da Literatura.

Uma língua que é não só um tesouro precioso como também condição da vida em liberdade, por esse mundo fora.

No entanto, não obstante namoros e aportações mais recentes, a língua portuguesa, tem marcas de muitos outros lábios de encontros e desencontros proto-históricos e ancestrais. Memórias dos fenícios, gregos e hebreus, dos povos pré-latinos como os celtas e iberos, ou mesmo recordações das línguas bárbaras dos suevos e visigodos, substratos importantes aos quais mais tarde, entre os séculos VIII e XII, se acrescentaria muitas palavras de origem árabe, geralmente identificadas pelo prefixo “al”.

Todavia, sua marca indelével e matriz genética é o latim vulgar, trazido pelas invasões romanas e que constitui o seu adstrato essencial. Uma língua cuja ovogénese e berço mais remoto recua ao chamado grupo linguístico indo-europeu, cuja ramificação teria dado 12 grupos de idiomas diferenciados, um dos quais o itálico, precursor do latim.

Todavia, o português terá pouco mais de 800 anos! Consta que a sua certidão de nascimento é o chamado “Testamento de D. Afonso II”, datado de 27 de junho de 1214, que terá sido o primeiro documento escrito na nossa língua. Obviamente, um português falado e escrito de maneira diferente, mas as línguas são assim mesmo, como as pessoas, têm a sua infância, (pré)adolescência e vida adulta. E se bem que não parem de se transformar sincronicamente e/ou diacronicamente, acompanham-nos no devir, sofrendo como as efémeras criaturas que nós somos, as angústias e os constrangimentos dos tempos, podendo até morrer! Por isso, há línguas mortas ainda que imortalizadas, como o latim e outras quase completamente extintas como o comanche ou o aramaico, língua falada por Jesus Cristo; ou línguas completamente extintas, como são os casos do dácio, fenício, frígio, gaulês, gótico, hitita, o trácio, ou o vandálico (ainda que por vezes alguns vândalos atuais a ressuscitem!).

Porém, felizmente, a língua portuguesa continua bem viva e recomenda-se. Com efeito, graças à ação dos nossos antepassados, a língua portuguesa continua a ser “o lugar donde se vê o Mundo, em que se traçam os limites do nosso pensar e sentir” – como diz o escritor Vergílio Ferreira. A língua que a “Mensagem” de Pessoa, no “Quinto Império” assume um carácter transcendente e espiritual, que conduzirá a uma nova geração humana, e que se identifica com a pátria: “A minha pátria é a língua portuguesa”, diz Bernardo Soares, heterónimo de Fernando Pessoa.

De facto, após a separação territorial e do galaico-português em duas línguas (o galelo e o português) e em especial graças à ação do rei D. Dinis, que ordenou que todos os documentos oficiais fossem escritos em português, a nossa língua cresceu com os poetas, os cronistas e os dramaturgos, entre ao quais Fernão Lopes e Gil Vicente e solidificou-se com Camões, que entre outros aspetos, nos legou inúmeros latinismos.

Posteriormente, no século XVI mercê do Renascimento e a difusão do livro, devido à invenção da imprensa, a língua estrutura-se e sistematiza-se, surgindo as primeiras gramáticas como a de Fernão Oliveira (1536) e de João de Barros (1539), bem como as cartilhas e os primeiros dicionários, pois, como diria António José Barreiros, uma língua que é só falada anda à rédea solta! …

Ademais, neste período e particularmente após os Descobrimentos, são também importantes os cruzamentos com as línguas nativas, quer africanas e asiáticas quer ameríndias, em especial no âmbito do enriquecimento lexical; assim como, um pouco mais tarde, seriam relevantes algumas aportações estrangeiras, como os anglicanismos e galicismos, estrangeirismos por vezes decorrentes do surgimento de novas realidades tecnológicas, científicas e sociais. Palavras novas que se integram na língua e que continuamente testemunham o dinamismo do idioma. Mas também termos e neologismos de ordem literária que remetem para a expressividade e a criatividade linguística, evidentes nas obras de Eça de Queirós (lambisgonhice, pensabundo), Alexandre O’Neill (mosquitomania, olhos pestanítidos) ou Mia Couto (porradarias, arrumário), entre outros. Neologismos que podem também ter origem popular (pinoca, ramboia) e/ou que tendem, segundo Ernesto Guerra “a suscitar o cómico ou o pitoresco expressivo, que revitalizam formas gastas de dizer, ou servem de veículo a matizes de perceção difíceis de traduzir nos termos existentes”.

Com efeito, graças aos falantes e gente da escrita, como jornalistas, poetas e escritores, que atualizam e reinventam a língua, a palavra tem acompanhado o homem na sua peregrinação através da vida, desde o soarismo ao cavaquismo, do PREC à geringonça, com ou sem drones, brexit ou plafonamento.

 Com efeito, “da minha língua vê-se o mar”, disse Vergílio Ferreira sobre o português, lavrador e marinheiro, cuja língua expressa os aromas da canela e maresia, novos ritmos como o samba das ondas, ou os novos sabores agridoces de outros continentes ou países como o Brasil, no qual, como diz Sophia de Mello Breyner, “ as palavras recuperam a substância total/Concretas como frutos, nítidas como pássaros.”

No fundo, uma língua que apesar da sua unidade se abre à diversidade, quer nas suas variações diatópicas (diferenças no espaço geográfico), como os falares ou dialetos do português africano ou do Brasil, quer nas suas variações diastráticas (diferenças entre camadas socioculturais), como são os casos da gíria e do calão, ou ainda nas suas variações diafásicas (diferenças entre os tipos de modalidade expressivas).

Variedades linguísticas que os regionalismos usados por escritores como Camilo, que este ano comemora 200 anos de nascimento, ou Aquilino Ribeiro, são exemplos de sabores locais diferenciados.

Outrossim, o falar de Guimarães, uma variação interessante, ainda que restrita. Com efeito, que diria se o tivesse desinquemodado (incomodado) e desorado (apoquentado) com carcávias (pantomonices) desta natureza?! Provavelmente ficaria barado (pasmado), dizendo que são coisas do manquinho (coisas do diabo).

Varado (ou será barado?), ficará porém o caro leitor, ao verificar que, provavelmente, os dicionários nacionais não registam (ainda) palavras fundamentais da realidade vimaranense,  como nicolino, gualteriano ou (pasme-se), vitoriano, apesar de não ser dos três grandes! …

Porém, em contraposição, muitos destes e outros termos do falar vimaranense já se encontram registados no estudo “Linguagem Popular de Guimarães” (1885) de José Leite de Vasconcelos, ou no “Novo Dicionário da Língua Portuguesa” de Cândido de Figueiredo.

Bem, esperamos não ter de dobrar a língua! Diremos apenas, sem papas na língua, que é preciso ter cuidado com ela e dar-lhe devido uso, pois é pela língua que o ser se conhece e ela é a morada do ser. Eugénio de Andrade afirma mesmo que é “pelos olhos dos nossos poetas que o português viu mais longe e mais fundo”. Talvez seja, mas porventura deverá ser com todos os sentidos e por todos os seus utentes e falantes, em todos os tempos e espaços.

Como habitualmente, neste ano de 2025 a efeméride será celebrada com a proposta “Latitudes da Língua Portuguesa” a que se associa o V Centenário do Nascimento de Camões. Decorrerá ainda a 5ª edição do concurso “Contos do Dia Mundial da Língua Portuguesa”, dedicado ao tema da inclusão, iniciativa que congrega a Porto Editora, Camões I.P. e o Plano Nacional de Leitura.

Em conclusão, parafraseando Manuel Alegre no seu artigo “O mar e a língua” (ler Jornal de Letras de Março/Abril) uma língua, que foi de trova e cantar de amigo e uma língua de navegação, que “passa por esse momento único e irrepetível que é o da escrita de Os Lusíadas”, mas que certamente crescerá com muitas leituras, atos de escrita e conversa…  

Podcast Jornal de Guimarães
Episódio mais recente: O Que Faltava #96